“Família muda para casa que também será demolida” – Folha de S.Paulo

 
DE SÃO PAULO
Desempregada, com o marido impossibilitado de trabalhar (é deficiente auditivo) e oito filhos, com idades de 8 a 17 anos, Bethania Sousa Bonfim, 36, foi a última a deixar a Vila Brejinho, conjunto de 104 casas irregulares à beira da represa Billings, onde viveu por 12 anos.
 
As demolições foram em março, mas os escombros ainda estão lá. Com auxílio-aluguel de R$ 300 mensais, se instalou numa casa ao lado, que, porém, também virá abaixo em razão do avanço do Programa Mananciais.
 
A dona quer despejá-la para alugar o imóvel por um valor maior antes que ele seja derrubado. "Fui a última a sair da Vila Brejinho porque não tinha para onde ir. Tenho oito filhos, ninguém quer me alugar casa", diz. Por ora, espera o "predinho" que diz ter sido prometido pela prefeitura. "Mas não disseram nem onde. E a maioria não vai conseguir pagar a prestação (R$ 360 por mês)."
 
Suas fontes de renda são o programa Renda Mínima da prefeitura (R$ 200) e os bicos que um de seus filhos faz numa pizzaria.
 
No Parque Cocaia, na mesma região, 130 famílias foram removidas sem receber outra moradia e apenas com um cheque de R$ 8.000 em mãos, pago pela empreiteira que demoliu as casas.
 
No Cantinho do Céu, nome do bairro num canto da Billings, o pedreiro Jesuino Ferreira Correia, 36, observa pela última vez o "predinho" de três andares que construiu para abrigar mulher, filha, enteada, irmã e agregados.
 
Um trator derruba o imóvel vizinho antes de começar a pôr abaixo o "arranha-céu", imóvel irregular onde vivia desde 1993. A prefeitura ofereceu R$ 13 mil pelo imóvel. Após negociações, subiu para R$ 33 mil, o que não foi suficiente para comprar a nova casa, de três cômodos, pela qual pagou R$ 55 mil.
 
"Foi uma coisa errada. Tinham de dar uma casa do mesmo tamanho que eu tinha", disse ele, que optou por seguir no bairro. "Fora daqui, é mais caro."
 
No Estado, o despejo coletivo atual só encontra algum paralelo nas remoções de favelas feitas pelo prefeito Paulo Maluf (1993-96) para construir a avenida Água Espraiada (Jornalista Roberto Marinho), quando cerca de 7.000 famílias foram removidas.
 
A demolição em massa de imóveis mais polêmica envolveu a construção das estações Brás, Pedro 2º e Bresser, da linha 3-vermelha do metrô, no final dos anos 1970.
 
Quase mil imóveis foram destruídos. Outro deslocamento expressivo foi a transferência de 15 mil habitantes da vila piloto de Jupiá, na divisa São Paulo/Mato Grosso do Sul, para a cidade paulista de Ilha Solteira em 1969.
 
A vila era provisória e havia sido criada para abrigar os que atuaram na implantação da usina hidrelétrica de Ilha Solteira. O povoado operário durou nove anos.
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