Dengue escancara a desigualdade na cidade mais rica do país

“Todos os bairros de São Paulo estão com epidemia de dengue”, foi a manchete da segunda-feira (29/4) da Folha. Finalmente, na última semana, Moema e Jardim Paulista atingiram a cota mínima para acompanhar os outros noventa e quatro distritos da cidade já considerados tecnicamente em epidemia por terem alcançado o número de 300 casos por 100 mil habitantes.

Se era esperado que, devido à gravidade do momento, todos os distritos chegassem a esse “estado de epidemia”, não podemos nos conformar com a desigualdade de sua distribuição na cidade, atingindo com muito mais gravidade os distritos mais pobres, o que evidencia a diferença da infraestrutura oferecida à população.

Moema, um distrito rico, chegou a 304 casos por 100 mil habitantes. Vila Jaguara, o distrito pobre com mais casos na cidade, registra 10.598 casos por 100 mil habitantes, 35 vezes mais que Moema. Pode-se argumentar que Vila Jaguara está mais próxima de um rio, o Tietê, e que ali as casas predominam. Mas se observarmos o dado de Alto de Pinheiros, um distrito rico e também próximo a um rio, o Pinheiros, verificamos que lá ocorreram 1.600 casos por 100 mil habitantes. Ou seja, Vila Jaguara registra oito vezes mais casos que Alto de Pinheiros. Quais aspectos  de nossas desigualdades socioambientais ou de infraestrutura podem explicar essa diferença? É função do poder público reduzir a distância social e proporcionar uma qualidade de vida mais equilibrada no território.

Como fomos capazes de construir tamanha desigualdade? Na verdade, seguimos ano a ano dobrando a aposta. Políticas públicas recentemente aprovadas pela Câmara de Vereadores, como a que altera o zoneamento da cidade, ou outras ainda em discussão, como a privatização da Sabesp, só agravarão as desigualdades. Atendem, respectivamente, a interesses do setor da construção civil e de empresas privadas de saneamento, e não da população em geral.

As questões relacionadas ao transporte coletivo vão na mesma direção e os problemas de lotação e frequência que tanto prejudicam a maioria da população não são resolvidos. A desigualdade não é natural, mas fruto de um planejamento que a consolida. A defesa de interesses privados pela Câmara, muitas vezes com a anuência do Executivo, em detrimento do interesse público, é responsável por esses números estarrecedores. Mas, mais do que números, representam o sofrimento da população mais pobre e que mais necessita de acesso a serviços públicos de qualidade.

Se a taxa de casos adotada para classificar uma situação como epidemia, de acordo com a OMS, é de  300 casos por 100 mil habitantes, como fazer para tomar medidas preventivas?

Nesses quatro meses do ano, a epidemia de dengue provocou 105 mortes. Nesse mesmo período de 2022, ocorreram 77 homicídios de jovens na cidade. Se os jovens são nosso futuro como nação, os dados evidenciam a necessidade de ações contundentes da prefeitura para sua proteção. O que une esses números é o fato de que boa parte dessas mortes é evitável, se o poder público atuar de outra maneira. É função do prefeito proteger a juventude de sua cidade, mesmo que as forças policiais não estejam a ele subordinadas. É de se perguntar às candidatas e candidatos qual sua proposta para reduzir as mortes de jovens durante sua gestão de 2025 a 2028?

Fica cada vez mais evidente que a desigualdade nos trava. É um obstáculo a avanços importantes, mas enquanto a defesa dos interesses de privados e a visão de curto prazo prevalecerem, estaremos tragados por propostas pobres que nos fazem ficar rodando em círculos. É só observar a cidade e o país dos últimos anos.

Por essas e outras, as eleições municipais de 2024 têm um papel muito importante para o futuro do país. Ao escolhermos os mandatários de nossas cidades, estaremos apontando também para que projeto de país desejamos no futuro, dado seu impacto nas eleições de 2026. E não será difícil, se estivermos atentos, identificar quem está preocupado com a desigualdade, com o homicídio de jovens, a mortalidade infantil, a gravidez na adolescência, a educação, a mudança climática e a participação social, para citar alguns dos temas que dizem respeito a nossas futuras gerações. O desafio, portanto, é ir além das questões de curto prazo e identificar que projetos estão por trás dos amigáveis discursos das candidatas e candidatos nos tempos de eleição. 

Créditos da foto: NIAID

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