“Sobre o Tietê” – Folha de S.Paulo

 

Obras para aumentar a calha do rio não são suficientes e novo plano para equacionar o problema das cheias ainda vai demorar mais de um ano

Como uma avenida engarrafada porque há mais carros do que sua capacidade de escoá-los, o Tietê não comporta a água que recebe. Mais de uma vez neste verão já transbordou o rio cantado por Mário de Andrade (1893-1945), que mencionava, em célebre poema, a água "turrona paulista, que sobe e se espraia, levando as auroras represadas para o peito dos sofrimentos dos homens".

Desde a década de 80, o governo paulista tenta minorar o problema por meio do rebaixamento da calha do rio, da construção de piscinões e de medidas como a recuperação das várzeas e a criação de parques. Desnecessário dizer que o esforço foi insuficiente.

Depois de quase 20 anos, as obras de ampliação da calha ficaram prontas em 2006. A primeira etapa aumentou a profundidade e a largura do rio num percurso de 16 quilômetros. A segunda, entregue pelo governo tucano com a promessa de debelar as enchentes nas marginais, atingiu outros 24 quilômetros.

O problema é que a capacidade do Tietê, mesmo após essas intervenções, que consumiram quase R$ 2 bilhões, está aquém da quantidade de água que o rio recebe. Ainda que estivesse livre do acúmulo de lixo, terra e areia no leito -e não está-, o Tietê poderia escoar cerca de 1.100 m3 por segundo. De acordo com estimativa de um especialista, o volume que chega ao rio em época de chuvas é de cerca de 1.750 m3. A diferença transborda para as pistas construídas nas antigas várzeas.

A um custo de R$ 64 milhões, o governo retirou 1 milhão de metros cúbicos de material do Tietê em 2010 -20% era lixo jogado pela população. Mas resta muito a fazer. Se o cronograma for mantido e se cumprida a promessa de dobrar esse volume durante os próximos dois anos, o rio estará desassoreado apenas em 2013.

Em 1998, um plano de macrodrenagem previu a construção de 134 piscinões até 2020, dos quais menos de 50 saíram do papel até agora. É pouco, apesar da capacidade de armazenar mais de 8 milhões de metros cúbicos de água -em torno de 50% do total previsto no plano. E, com a falta de terrenos disponíveis, o governo encontra obstáculos para instalar novos reservatórios.

Iniciativas como a lei municipal das "piscininhas" e a criação de parques são bem-vindas, mas representam apenas uma pequena parte da solução.

Para piorar o quadro, o plano de 13 anos atrás está superado. A expansão da região metropolitana de São Paulo levou a um aumento da impermeabilização do solo -o que se traduz em mais água correndo para o rio. Tenta-se, dessa forma, equacionar um problema de hoje com dados de ontem.

Por isso, o governo estadual abriu licitação para um novo plano de macrodrenagem. Mas deverá levar ao menos um ano e meio até que os estudos se concluam. Somente então será possível um diagnóstico preciso da situação e a elaboração de um projeto à altura das necessidades.

Até lá, resta ao paulistano torcer para que as chuvas sejam clementes e conviver com as enchentes, já tão conhecidas quanto o viaduto do Chá e o Anhangabaú.

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