Sociedade civil se mobiliza em defesa do acesso à informação

Mais de 60 organizações da sociedade civil manifestaram, em 24/03/20, repúdio à iniciativa do governo Bolsonaro que dificultará o acesso a informações de atos do poder público e exigem a revogação das alterações relativas ao tema feitas pela MP nº 928.

A Medida Provisória (MP) Nº 928, editada pelo governo na noite anterior, alterou

procedimentos de acesso à informação, enfraquecendo a aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI), violando um direito constitucional.

Neste momento, é fundamental a divulgação ampla de dados, especialmente em formato aberto (como boletins epidemiológicos; testes administrados e disponíveis; metodologia da coleta de dados; contratos e informações sobre compras públicas e orçamento; status de ocupação dos leitos nos hospitais, principalmente nas UTIs etc.). O governo pode se adiantar aos pedidos de informação e melhorar os mecanismos de informação e transparência.

Entretanto, ao contrário dos países mais bem-sucedidos no combate à Covid-19, que aumentaram a transparência em virtude da pandemia, o governo federal estabeleceu procedimentos que restringem o acesso a informações e dá mau exemplo para os estados e municípios.

Justificando a importância de revogar o dispositivo, as organizações elencaram os pontos críticos às alterações feitas, dentre eles:

Não há exposição de motivos para a inclusão do artigo 6º-B na Lei nº 13.979/2020 e a MP foi construída e imposta sem transparência ou diálogo com a sociedade civil

O texto é vago, contraditório e abre brecha para omissões indevidas a pedidos de informação.

Não estabelece critérios claros para as exceções criadas e exclui a possibilidade de recurso, impedindo cidadãos de questionar negativas a informações ou não atendimento a pedidos

A medida vai na contramão das iniciativas de governo aberto que estão sendo adotadas por diversos países.

A MP 928 suscita dúvidas sobre as condições de segurança que deveriam ser garantidas pelo governo federal, em especial o órgão coordenador da política de acesso à informação, a CGU, para que os servidores atendam às demandas do público.

As organizações demandam medidas que visem ao aprimoramento da transparência ativa, bem como mecanismos e instrumentos necessários para que os servidores tenham plenas condições de cumprimento da lei. E defendem que não se pode retroceder nas conquistas sobre transparência alcançadas pela sociedade, especialmente em um momento de evidente crise.

O documento foi elaborado de forma colaborativa por Artigo 19, Instituto Ethos, Instituto de Governo Aberto, Open Knowledge Brasil, Rede Nossa São Paulo, Transparência Brasil, Transparência Internacional e Transparência Partidária e assinado por mais de 60  organizações da sociedade civil, pedindo a revogação imediata do artigo 6º-B da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, criada para responder à pandemia, e alterada pela MP 928.

Veja a nota na íntegra:

Só venceremos a pandemia com transparência

Nota conjunta de repúdio às alterações do acesso à informação pela MP nº 928

As organizações e os especialistas abaixo manifestam seu repúdio às alterações nos procedimentos de acesso à informação feitas pela Medida Provisória (MP) nº 928. O texto, publicado no último 23 de março de 2020, ataca gravemente os mecanismos de acesso à informação e de transparência pública. Pelos motivos apresentados abaixo, exigimos a revogação do trecho que inclui o artigo 6º-B na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

  1. Não há exposição de motivos para a inclusão do artigo. Esse item, que normalmente acompanha uma MP, é fundamental para a sociedade compreender a finalidade da medida e os critérios usados pela administração pública para adotá-la.

  2. O texto é vago, prejudicando o procedimento de acesso a informações. O art. 6º-B determina a priorização de respostas a pedidos relacionados às medidas de enfrentamento da pandemia, mas não especifica como isso ocorreria, se o prazo para resposta seria menor e quais os critérios para essa priorização. O texto não explicita se a priorização afeta apenas informações sobre saúde ou também alcança assuntos igualmente importantes que tangenciam o combate à Covid-19 (coronavírus) – como economia, geração de renda e condições de compras públicas em situação de emergência. Ao não apontar como seria a priorização dos pedidos, não deixa clara a necessidade de os solicitantes exporem os motivos pelos quais seu pedido se relaciona com a pandemia – o que contraria ao art. 10, § 3º, da própria Lei de Acesso à Informação (LAI).

  3. O texto é contraditório e abre brecha para omissões indevidas a pedidos de informação. O caput do novo artigo 6º-B da Lei nº 13.979/2020 indica que serão priorizados os pedidos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia. Mas o inciso II do §1º suspende o prazo determinado pela LAI justamente quando a resposta ao pedido necessitar de envolvimento de agentes públicos ou setores dedicados às medidas de enfrentamento. Na prática, os prazos para o atendimento de pedidos relacionados com as ações de combate ao coronavírus estariam suspensos sob uma retórica de priorização. É de fundamental importância que o governo federal e, especialmente, o órgão coordenador da política de acesso à informação, a Controladoria Geral da União (CGU), garantam condições para que os servidores possam, em segurança, atender a tais demandas – sejam os que estão no combate direto, sejam os que estão executando as funções administrativas em teletrabalho.

  4. Exclui a possibilidade de recurso, impedindo que as pessoas questionem negativas a informações ou não atendimento a pedidos. Somada à falta de critérios claros de aplicabilidade da nova norma, o fato de a MP estabelecer que não serão sequer avaliados os recursos contra negativas ou omissões de informação, nas condições do artigo 6º-B, sepulta as chances de acesso a informações, pois possibilita constantes, injustificadas e impunes negativas do governo, contrariando a determinação da LAI, que garante a apresentação de recursos como um direito.

  5. Impõe a todas as pessoas a obrigação de buscar a transparência que deveria ser fornecida pelo poder público. Ao estabelecer que os pedidos não respondidos no prazo devem ser reiterados em até dez dias passada a calamidade, possibilita que todas as solicitações feitas no período sejam ignoradas, a menos que a pessoa se lembre de refazê-la, findo o decreto de emergência – quando a informação poderá deixar de ser útil e estar desatualizada.

  6. A MP foi construída e imposta sem transparência ou diálogo com a sociedade civil. A CGU conta com um Conselho de Transparência, cujo propósito é justamente discutir esse tipo de medida com a sociedade civil e garantir a participação social, mas nem o colegiado, nem outras instâncias de participação foram consultados.

  7. A medida vai na contramão das iniciativas de governo aberto que estão sendo adotadas por diversos países. As ações – disponíveis aqui – são incentivadas pela Open Government Partnership (OGP), parceria internacional de governo aberto da qual o Brasil faz parte. Com essa ação, o país também contraria o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16 presente na Agenda 2030 das Nações Unidas. 

Pelos motivos expostos, a MP n° 928 é desproporcional e viola o direito constitucional de acesso a informações de interesse coletivo. Coloca a transparência e o controle social em um lugar secundário, justamente quando a população sofre com a desinformação em meio a uma crise sem precedentes. Isso prejudica o direito das pessoas de ter informação sobre as ações governamentais de enfrentamento à epidemia. 

Em vez de estabelecer novos procedimentos que dificultam o acesso a informações, o governo federal deveria seguir o exemplo dos países que foram mais bem-sucedidos no combate à Covid-19 e ampliar a transparência, orientando estados e municípios a fazer o mesmo. 

A divulgação ampla de dados, especialmente em formato aberto (como boletins epidemiológicos; testes administrados e disponíveis; metodologia da coleta de dados; contratos e informações sobre compras públicas e orçamento; status de ocupação dos leitos nos hospitais, principalmente nas UTIs etc.), pode eliminar uma eventual sobrecarga de pedidos de informação e a necessidade de ajustes em prazos e procedimentos.

Dessa forma, repudiamos o artigo 6º-B da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, estabelecido pela MP n° 928 e defendemos enfaticamente sua revogação imediata. Além disso, esperamos medidas que visem ao aprimoramento da transparência ativa, bem como mecanismos e instrumentos necessários para que os servidores tenham plenas condições de cumprimento da lei sem comprometer sua segurança. Não se pode instituir um regime de operação paralelo à Lei de Acesso à Informação, tampouco retroceder nas conquistas sobre transparência alcançadas pela sociedade, especialmente em um momento de evidente crise.

Assinam a nota (em ordem alfabética): 

  1. Ação EducativaAssessoria Pesquisa e Informação
  2. Associação Brasileira de Imprensa
  3. Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
  4. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos – ABGLT
  5. Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo – SBPJor
  6. Associação Contas Abertas
  7. Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – Apremavi
  8. ARTIGO 19
  9. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  10. Casa da Cultura Digital Porto Alegre
  11. Centro de Estudos Legislativos (CEL DCP – UFMG)
  12. Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais  (Cdh/UFMG)
  13. Colaboradados 
  14. Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
  15. Conectas Direitos Humanos
  16. Dado Capital
  17. Fiquem Sabendo
  18. Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários – (FEBAB)
  19. Fórum das Ong Aids do estado de São Paulo – FOAESP
  20. Fórum Paraibano de Luta da Pessoa com Deficiência
  21. Frente Favela Brasil
  22. Fundação Avina
  23. Fundação Grupo Esquel Brasil
  24. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
  25. Greenpeace Brasil
  26. Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável (GTSC – A2030)
  27. InPACTO
  28. Instituto Akatu
  29. Instituto Alana
  30. Instituto Bem Estar Brasil
  31. Instituto Beta: Internet & Democracia
  32. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
  33. Instituto Braudel
  34. Instituto Centro de Vida (ICV)
  35. Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
  36. Instituto Educadigital
  37. Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
  38. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
  39. Instituto de Governo Aberto (IGA)
  40. Instituto de Inclusão Cultural e Tecnológica – Tecnoarte
  41. Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – IMAFLORA
  42. Instituto Não Aceito Corrupção 
  43. Instituto Nossa Ilhéus
  44. Instituto Pro Bono
  45. Instituto Observatório Político e Socioambiental (Instituto OPS) 
  46. Instituto Oncoguia
  47. Instituto Socioambiental (ISA)
  48. Instituto Soma Brasil
  49. Instituto Sou da Paz
  50. Instituto Vladimir Herzog
  51. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
  52. Laboratório Analytics (Universidade Federal de Campina Grande)
  53. Laboratório de Inovação em Políticas Públicas do Rio de Janeiro
  54. Laboratório de Legislação & Políticas Públicas (LegisLab – UFMG)
  55. Laboratório de Políticas de Comunicação (Universidade de Brasília)
  56. Lagom Data
  57. Livre.jor
  58. Lobby Para Todos
  59. Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
  60. Missão Paz 
  61. Observatório do Marajó
  62. Observatório Social de Belém 
  63. Observatório Social de Brasília
  64. Observatório para a Qualidade da Lei (UFMG)
  65. Open Knowledge Brasil
  66. Operação Amazônia Nativa
  67. Plataforma MROSC
  68. Programa Cidades Sustentáveis
  69. Rede Espaço Sem Fronteiras – ESF
  70. Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (RENOI)
  71. Rede Nossa São Paulo
  72. Repórter Brasil
  73. Terra de Direitos
  74. Transparência Brasil
  75. Transparência Partidária
  76. WWF-Brasil 
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