Iniciativas de cidadãos e empresas levam mais paulistanos a ocupar SP

Por Natália Albertoni e Ingrid Fagundez

No Minhocão, um grupo festeja um aniversário, outro faz um churrasco. Na Paulista, enquanto skates e bicicletas dividem o espaço da nova ciclovia, uma banda se apresenta perto do metrô Trianon-Masp. Alguém deposita R$ 20 no chapéu. Mais cedo, centenas aparecem para o aulão grátis de ioga no Ibirapuera. Não muito longe dali, na horta da praça das Corujas, zona oeste, uma mulher colhe temperos para o almoço do último domingo (19).

Em 2015, o paulistano está mais na rua. E em praças, escadarias, jardins. Ao ar livre, ele faz sarau de poesia, shows, apresenta peças de teatro, come, cozinha, canta e dança. Ocupado, o espaço público da cidade, esvaziado nas últimas décadas, torna-se atraente de novo —tanto para os empresários de olho nos consumidores quanto para o cidadão que quer um parquinho legal para o filho brincar e conhecer outras crianças.

Segundo Euler Sandeville, professor de arquitetura e urbanismo da USP, a retomada das ruas tem duas grandes raízes. Uma delas data do início deste século, com a criação de coletivos —a maioria formada por jovens— e suas diversas intervenções urbanas.

Mais recentes, movimentos como o Occupy chamaram atenção para o espaço público como zona de disputa política. De Wall Street, em Nova York, o Occupy se levantou contra a a desigualdade econômica e se espalhou pelo mundo a partir de 2011.

Em São Paulo, nota-se um aumento de eventos e iniciativas desde 2013. Para o artista Rodrigo Guima, 33, as manifestações de junho daquele ano deram força a uma "noção de pertencimento, de que a rua poderia ser uma plataforma para experimentar a cidade". Ele é responsável pelo projeto Aqui Bate um Coração, que, até 2014, colocou corações de isopor no peito de estátuas da capital e de outras 49 cidades, inclusive estrangeiras.

Não mais concentrados nas mãos de coletivos como Baixo Centro e Movimento Boa Praça, que rediscutem o espaço púbico há mais tempo, os eventos de rua agora também estão nas mãos de grupos menores ou até de um indivíduo. "Antes, falar sobre isso era algo subversivo. Hoje não", diz Thiago Carrapatoso, 31, que foi do Baixo Centro e hoje integra o grupo

SP Sem Minhocão

As atividades se desenvolvem em diferentes formatos e pontos da capital. O Slam da Guilhermina, batalha de poesias, é feito desde 2012 em uma praça anexa à estação do metrô Guilhermina-Esperança, na zona leste. Começou com cerca de dez pessoas, e hoje recebe cem.

No Jardim Monte Azul, na zona sul, o coletivo Revitarte refez uma escadaria do bairro e criou um mosaico sobre ela. "Com esse trabalho, conseguimos pressionar a subprefeitura para instalar iluminação no local", diz Allan Lima, 29, que integra o projeto.

É possível agir com ou sem apoio do poder público. O modelo de Conselho Participativo, instituído em 2013 para eleger representantes dos bairros, ainda é visto como insuficiente e burocrático, embora represente alguma inovação.

No entanto, ao contrário de 2013, quando o diálogo com a prefeitura rendia poucos frutos —como apontou reportagem da sãopaulo em janeiro daquele ano— houve avanços. Por exemplo: um evento para mais de 250 pessoas precisa de autorização da subprefeitura que deve ser solicitada 30 dias antes. Se consegui-la era missão quase impossível, hoje, segundo entrevistados, o procedimento é simples.

Do chuveiro para a rua

Mylena Mandolesi, 39, criou o Karaokê na Praça em 2014. O primeiro encontro, na praça do Pôr do Sol, reuniu mais de 500 pessoas. Hoje com endereço fixo —a praça Ana Maria Poppovic, no Sumaré, zona oeste—, o projeto ganhou até concurso. "Dá raiva de quem reclama da burocracia, porque as coisas andam", diz Mylena, que decidiu montar o
karaokê por acreditar que a música "une as pessoas".

Com 5.000 praças para seus cerca de 12 milhões de habitantes, São Paulo tem poucos pontos públicos de encontro. Gilda Collet Bruna, professora de arquitetura do Mackenzie, vê o aumento de atividades como uma resposta a essa carência. "Aqui não tem praia, a população sente que não tem lugar para ir. Áreas abertas estão ganhando um papel na identificação das pessoas com a cidade", diz.

Reconhecendo essa mudança de hábito, marcas também direcionam suas estratégias para atingir seu público. No mês passado, a Nivea patrocinou um show com Ivete Sangalo e Criolo que levou 700 mil às ruas.

A Heineken, que construiu parklets nos Jardins, Pinheiros e Itaim Bibi, diz mapear tendências de comportamento para desenvolver suas ações. Carolina Tarrio, do Movimento Boa Praça, diz que agências de publicidade a procuram para saber como participar do projeto, mas às vezes vê a aproximação como "pouco eficaz e marqueteira"."Há interesse das empresas de embarcarem na nova onda. Algumas levam brindes e acham que estão colaborando."

Para o professor Sandaville, da USP, outros tipos de ação também podem perder o sentido se feitos sem a compreensão do processo de construção da cidade. "Ficam intervenções descoladas de uma discussão."

Para ele, a falta de conhecimento sobre formas de transformar o ambiente urbano e a carência de educação para a cidadania são entraves. Outro ponto a ser considerado são os limites no uso do espaço público, para que ele não se torne privado.

Laura Sobral, 29, urbanista e membro de A Batata Precisa de Você, que atua no largo da Batata, acha que uma alteração de valores é necessária. "É difícil ter um espaço de qualidade e igualitário se a sociedade não é assim. Não é milagre, é uma troca."

O secretário municipal de Cultura de São Paulo, Nabil Bonduki, diz que, com novas políticas e outra mentalidade, a prefeitura tenta transformar o que considera um processo histórico de privatização do espaço público.

"Nos últimos 50 anos, as pessoas passaram a frequentar locais privados e o espaço público passou a ser visto como abandonado e perigoso. Estamos numa fase de disputa simbólica sobre o que se quer pela cidade", diz.

No entanto, Bonduki ainda percebe resistência. Dá o exemplo do Minhocão, que lota aos fins de semana, mas tem parte da população contrária ao seu fechamento.

Ainda que o elevado não esteja fechado, o parque já existe para o artista Felipe Morozini, 40, da associação Parque Minhocão. "Ele foi criado espontaneamente, o que é mais legal".

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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