“No Recife, ação fez de favela área valorizada” – O Estado de S.Paulo

Palafitas de Brasília Teimosa não existem mais e local virou alvo de cobiça imobiliária

ANGELA LACERDA / RECIFE – O Estado de S.Paulo

Há pouco mais de cinco décadas, pescadores, lavadeiras, biscateiros e sem-teto iniciaram a ocupação de uma área à beira-mar, no limite sul da badalada praia de Boa Viagem. Expulsos, sempre retornavam ao local, numa teimosia que terminou dando nome ao lugar, Brasília Teimosa. O lugar foi se urbanizando e virando bairro popular. A extinção das 300 palafitas que tomavam sua orla e lhe davam o aspecto de favela – promessa feita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 10 de janeiro de 2003 – reforçou Brasília Teimosa como área cobiçada pelas grandes imobiliárias.

O funcionário público recém-aposentado Antonio Pedrosa, 60 anos, se sente um privilegiado. Com a derrubada das palafitas, que deu lugar à Avenida Brasília Formosa, sua pequena casa agora se situa na orla de 1,5 quilômetro. "Minha casinha ficava escondida, agora moro à beira-mar." Além da casa, possui mais dois imóveis no local. Ele ainda não tem o título de posse definitivo da terra, registrado em cartório, que começa a ser concedido à população de cerca de 20 mil pessoas. Quando tiver, não pretende vender, mas, segundo ele, é bom saber que, se quiser, pode ganhar muito dinheiro.

Autoestima. "Brasília Teimosa é a bola da vez. Obrigado, presidente Lula", diz o presidente do Conselho de Moradores, Wilson Lapa, que defende a mudança do nome da Avenida Brasília Formosa para Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo ele, a ação do presidente aumentou a autoestima dos moradores: "Além de valorizar os imóveis, os turistas aparecem mais, passa mais ônibus e temos uma orla onde caminhar".

A melhoria da qualidade de vida é reconhecida por todos, mesmo com eventuais críticas à falta de ônibus e a necessidade de ampliar a rede de saneamento. "Temos uma bonita orla, ponto de encontro da comunidade", diz a professora Taciana Santiago. Há dez anos, quando Lula esteve no bairro, ela foi uma das fãs que correram atrás dele gritando seu nome. "A vida nas palafitas era desumana. Sem banheiro, os dejetos eram jogados no mar", relembra.

Olho grande. A preocupação dos líderes comunitários é com o olho grande dos empresários. "Na hora em que se regularizar, muita gente vai vender", prevê o presidente da Colônia Z-1 de pescadores, Augusto de Lima Guimarães, 60 anos. A chegada ao local do grupo João Carlos Paes Mendonça (JCPM), que construiu um shopping perto da área, é bem vista, embora traga alguma preocupação futura. Os jovens estão se qualificando – com inglês, informática, marketing e capacitação em vendas – e são aproveitados no empreendimento.

A comunidade também é beneficiada com uma escola de regime semi-integral do governo estadual que promoveu um programa que permite intercâmbio em outro país. Seis alunos do bairro já foram contemplados – três viajaram para Estados Unidos e Canadá. Os outros vão embarcar para Nova Zelândia e Austrália.

"Caiu a criminalidade, diminuiu a sujeira", afirma o pescador Ronaldo Gomes, 35 anos. Ele tem uma irmã que morava nas palafitas e ganhou casa no conjunto habitacional construído com recursos do governo federal no bairro do Cordeiro, na zona oeste da cidade. "Minha irmã está feliz, trabalha como faxineira." Muitos dos que se mudaram, no entanto, venderam ou alugaram suas novas casas. Alguns pescadores retornaram ao bairro.

Perfil. Embora a pesca ainda seja a principal atividade econômica de Brasília Teimosa, a geração mais jovem não tem intenção de seguir a profissão dos pais, segundo estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A maioria da população tem renda de até um salário mínimo. O bairro conta com oito escolas públicas – além das particulares. De acordo com o Censo de 2010, 91,8% da população acima de 10 anos é alfabetizada. Esse número cai para 75,6% se considerada apenas a população acima de 60 anos.

O comércio é diversificado e garante a autossuficiência do bairro em praticamente todas as suas necessidades. Possui três restaurantes, sete bares na orla e outros 32 fora dela, 10 lanchonetes, 16 mercadinhos, 11 açougues, duas padarias, duas lojas de frios e laticínios, peixarias, cinco armazéns de construção, 21 armarinhos, seis oficinas de bicicleta, quatro de automóveis. A população de Brasília Teimosa era de 19.155 habitantes em 2000. Em 2010, houve redução para 18.344.

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