“Prédios ajudam a piorar ar na capital” – Jornal da Tarde

 

TIAGO DANTAS

A concentração de poluentes em uma rua cercada dos dois lados por prédios altos é até três vezes maior do que em uma via onde só existem casas térreas. Em uma metrópole altamente verticalizada como São Paulo, os arranha-céus formam uma barreira para a dispersão das partículas que saem dos escapamentos dos carros. São os chamados street canyons – vales urbanos, em uma tradução livre –, locais onde a poluição do ar pode ser ainda mais prejudicial à saúde.

Os efeitos da exposição aos poluentes nos street canyons são semelhantes aos malefícios causados pelo cigarro aos sistemas respiratório e cardiovascular, compara o médico Paulo Saldiva, coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “A diferença é que o cigarro te dá a chance de escolher se quer acender ou não”, diz. “Os níveis de poluição nos street canyons chegam a ser o triplo do que o medido em ruas próximas.”

A relação entre a altura dos edifícios, sua disposição ao longo da via e o tempo que as partículas de poluição demoram para sair do vale urbano está sendo estudada por pesquisadores da USP. “Estamos fazendo uma simulação no computador usando todas essas variáveis para chegar a um modelo matemático que possa calcular o tempo da dispersão de poluentes”, explica o professor Jurandir Itizo Yanagihara, do Laboratório de Engenharia Térmica e Ambiental da Escola Politécnica da USP (Poli).

Dentro de dois anos, a fórmula desenvolvida por Yanagihara em conjunto com a Escola de Engenharia de Lorena, também da USP, pode ser aplicada em situações práticas, com medições da concentração de partículas nocivas à saúde em determinadas ruas da cidade. Os resultados devem ser utilizados para ajudar novos projetos de urbanização, propondo construções que permitam a passagem do vento pelo vale. O movimento do ar faz com que os poluentes se dissipem com facilidade, segundo Yanagihara.

Mas o que fazer com os street canyons formados em vias onde a urbanização está consolidada, como na Avenida Paulista ou no Elevado Costa e Silva, o Minhocão? “O ideal seria que ruas de maior movimento de veículos tivessem prédios mais baixos para facilitar a dispersão”, diz Saldiva. “Como isso não é possível, o jeito é mudar a matriz de transporte. Estamos chegando a um ponto que não existem mais soluções fáceis para o problema da poluição. As pessoas não mudam quando ficam doentes? Com as cidades é a mesma coisa. Elas estão indo para a UTI.”

A opinião é compartilhada por Eduardo Santana, coordenador de Qualidade do Ar do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “Em centros urbanos como São Paulo, os grandes vilões são os automóveis e os combustíveis fósseis. Por isso há a necessidade de se investir em transporte coletivo, porque se continuarmos aumentando a frota de carros, vamos aumentar a poluição”, opina.

Programas de controle de emissão de gases, como a inspeção veicular ambiental, também são considerados importantes. Mas com ressalvas. “Precisamos ver os estudos sobre qual é o ganho ambiental real de um programa como esse. Até para saber se a verba destinada a isso não seria melhor empregada no transporte público, por exemplo”, diz Santana.

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