“O futuro do planeta está nas cidades” – Folha de S.Paulo

 

TENDÊNCIAS/DEBATES


JONAS RABINOVITCH

A experiência mostra que as cidades médias que mais crescem no presente não deveriam repetir os erros do passado

VIVEMOS NUM mundo complicado: desperdiçamos por ano US$ 1,5 trilhão em corrupção, US$ 1 trilhão em armamentos e US$ 600 bilhões em subsídios agrícolas, e 2% das pessoas são donas de metade do planeta.

Mas quanto vale o planeta? Economicamente, vale quanto produz. Todos os PIBs de todos os países somam US$ 60 trilhões por ano. Com 6 bilhões e 800 milhões de pessoas, isso daria uma "renda" de apenas US$ 750 por mês para cada um, se o "comunismo total" triunfasse. E quanto vale o potencial do planeta? Um estudo da UNU-Wider mostra que a soma total de todos os recursos naturais e financeiros do planeta seria da ordem de US$ 125 trilhões, incluindo terras, bens imóveis, transações financeiras, bens de capital etc.

Ou seja, se o capitalismo selvagem triunfasse e o planeta todo fosse transformado em dinheiro, cada pessoa nunca receberia uma "renda máxima" de US$ 1.500 por mês.

O que está errado em tudo isso, além da simplicidade dos meus cálculos? Parece que foi um grande erro passar décadas brigando se o mundo deveria ser capitalista ou comunista.
Todas as pessoas precisam de educação, saúde, trabalho, transporte e habitação -independentemente de partido político, religião ou sistema de produção. O planeta e suas políticas de desenvolvimento não podem ser definidas só por meio de cálculos econômicos ou propaganda política.

Por exemplo, uma escultura de Rodin pode valer US$ 10 milhões, mas sempre vai valer muito mais do que se colocarmos um saco com US$ 10 milhões sobre um pedestal.
A globalização é uma realidade, mas gerenciar o planeta por essa perspectiva ainda não seria realista.

Só quando os custos ambientais forem devidamente embutidos em todos os cálculos econômicos poderemos realisticamente pintar desenvolvimento por meio de números.

Enquanto isso não acontece, parece fazer sentido solucionar todos os desafios de educação, saúde, trabalho, etc. por meio de unidades gerenciáveis que permitam a participação de cada cidadão, com direitos e deveres.

A boa notícia é que essas unidades já existem: chamam-se cidades. A má notícia é que elas continuam sendo vistas -com ou sem razão- como fonte de problemas, corrupção e mau gerenciamento.

Afinal, há alguma coisa errada em desenhar sistemas políticos que funcionem para atender às necessidades básicas da população?

As grandes inovações que permitiram o crescimento e a verticalização das cidades aconteceram há mais de cem anos: eletricidade, automóvel, sistemas de abastecimento de água, concreto armado etc.

Hoje em dia, não acredito que inovações urbanas sejam necessariamente tecnologias milagrosas ou fórmulas mágicas que automaticamente resolverão todos os desafios. Inovações são processos -não eventos pontuais-, mas precisamos apresentá-las pontualmente para que sejam entendidas.
Com frequência, apenas fazer com que a administração pública acompanhe as mudanças já necessita inovações. Além disso, enxergar a cidade de forma integrada, eliminar fontes de corrupção, engajar a população de forma participativa, aumentar a transparência e o acesso aos serviços públicos são elementos comuns a várias cidades inovadoras.

Por exemplo, Curitiba mostrou que é possível controlar e direcionar seu crescimento. Em Seul, Coreia do Sul, os cidadãos participam de decisões sobre políticas públicas por meio de seus computadores. Na Índia, Estado de Gujarat, cidadãos usam o computador para monitorar a qualidade da água. Em Zâmbia, África, administrações locais usam clínicas ambulantes em ônibus para levar saúde básica para áreas periféricas.

E mais: em Antígua e Barbuda, os ônibus são salas de aula para estudos de computação para crianças da periferia. Na Eslovênia foi possível diminuir de 60 para quatro o número de dias necessários para abrir uma empresa pequena ou média, sem custos para o empresário. No Chile, o site governamental ChileCompra traz informações sobre todas as concorrências públicas de forma transparente. A primeira Conferência Internacional sobre Cidades Inovadoras (Curitiba, 10 a 13 Março) examinará essas soluções e muitas outras.

A experiência e as informações existentes mostram que as cidades médias que mais crescem no presente não deveriam repetir os erros do passado. Em suma, a criatividade, aliada a recursos humanos, tecnológicos e administrativos, já mostra que é possível desenhar um futuro muito melhor para todos os cidadãos a partir das cidades do planeta.

JONAS RABINOVITCH, arquiteto e urbanista, é conselheiro sênior da ONU para assuntos de administração pública e gestão do conhecimento.

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