Por uma audiência crescente e consciente


Rede de incentivo ao cinema popular busca formar platéias críticas

Por Bruna Escaleira*

Há muitos obstáculos para o crescimento do cinema popular nacional, e o custo de produção não é o único. Além de divulgação, as produções independentes precisam de platéias – interessadas e críticas – e, para que estas se formem, é preciso amplificar o acesso da população à cultura. Não é uma tarefa fácil, mas, felizmente, o estímulo à produção cultural brasileira já se tornou bandeira de grupos que atuam por todo o país.

Um deles é a Brazucah, que vem se estabelecendo como modelo sustentável de rede estimuladora da produção audiovisual popular, através de estratégias simples, como minimizar o custo da produção de DVDs e sua divulgação por meio de alternativas criativas. Presente no Fórum Social Mundial de 2009 em Belém, o grupo apresentou sua experiência a integrantes de organizações semelhantes vindas de diversas partes do Brasil e do mundo.

Criada em 2004 em São Paulo, a organização, formada por 70 estudantes universitários, abriu uma sede no Rio de Janeiro em 2006 e outras duas, em Brasília e Recife, no ano passado. Responsável pela divulgação de 25% das estréias nacionais em 2008 (15 filmes, entre eles, “Meu nome não é Jhonny” e “Condor”), organiza pré-estréias, exibições e debates com os diretores, tanto nas universidades como em escolas e comunidades afastadas dos centros de distribuição cultural.

Além de levar o cinema ao público, de modo a formar expectadores críticos, a rede se preocupa em auxiliar os produtores utilizando técnicas de fabricação de DVDs inspiradas na pirataria, como encartes baratos e distribuição em pontos de venda estratégicos, afastados dos centrais. Assim, consegue vendê-los a preços acessíveis (R$10,00) e remunerar os produtores.

Atualmente, a Brazucah promove diversos circuitos de exibição em parceria com entidades públicas e privadas, como o “Curta na Escola”, “Cinema na Praça”, “Cinema para Todos” e o “Cine B” (em parceria com o sindicato dos bancários), destinados àqueles quem não teriam acesso ao cinema de outra forma.

Com apoio do Fundo Nacional de Cultura do Minc (Ministério da Cultura), a organização promove a formação dos universitários que trabalham como estagiários no projeto. “A equipe é renovada a cada ano, para que mais estudantes possam passar por esse processo de aprendizado”, conta Ana Arruda, coordenadora da sede de Brasília, “mas depois que acaba o período de estágio, a maior parte deles continua colaborando conosco”. “A ideia é criar uma rede sustentável para que o trabalho numa organização como essa forneça renda para se manter”, acrescenta Leonardo Rodarte da Universidade de São Paulo, que entrou para o grupo em 2007.

A ideia da rede

A oficina realizada em Belém serviu para a troca de experiências que condiz exatamente com a idéia, defendida pela Brazucah, de organizar a distribuição dos filmes nacionais por meio de uma rede descentralizada.

Todos os participantes trocaram contatos para que possam estudar formas de parceria, seja através da distribuição de direitos de exibição de filmes e DVDs para venda, ou por meio da articulação de circuitos e projetos comuns, que contemplem a realidade das diferentes comunidades no país.

No Pará, por exemplo, a maior dificuldade para a formação de público para o cinema nacional é conseguir acesso a essa produção. “A maior parte dos filmes alternativos que chegam aqui são estrangeiros, mesmo no cinema Olímpia, no centro de Belém, que é grátis”, reclama Deylane Baía, que acaba de se formar na Universidade Federal do Pará (UFPA) e já trabalhou com um projeto de difusão cinematográfica na região.

“A maior necessidade de mobilização é para levar o cinema às cidades que não têm nenhuma sala de exibição, o que é o caso da maioria das cidades do estado, fora Belém e Castanhais”, lembra ela. Delayne observou essa situação ao participar do coletivo Aparelho, fundado por um professor da UFPA, que levava projetores a municípios de difícil acesso via barco e exibia os filmes em lençóis nas praças centrais das comunidades. “Além disso, produzíamos pequenos filmes nas próprias comunidades, com os moradores, utilizando a tecnologia do possível”, continuou.

Da mesma forma, a Cajuína Filmes estimula a produção audiovisual juvenil no interior do Piauí. “Esse trabalho é importante porque quem vive em comunidades pequenas quer falar de seus problemas e projetá-los na tela”, destaca uma de suas integrantes presente na oficina. “Quando você vai para trás da câmera, distancia-se e pode olhar sua realidade de maneira diferente, crítica, e é isso o que queremos incentivar”, conclui.

Além da dificuldade de acesso aos filmes, outro empecilho para formação de cineclubes e outras organizações de incentivo cultural é a falta de sistematização de suas atividades e dados, elementos essenciais para a produção de projetos e inscrição em editais. “É preciso registrar as atividades realizadas a cada dia, cada sessão promovida, mesmo que muito pequena, para que tanto a entidade, como o público, passe a existir também no papel”, aconselha Ana, da Brazucah. Deise, de Belém, concorda: “trabalhei por quatro anos escrevendo todas as atividades de minha organização, e hoje conseguimos sistematizar nosso projeto para conseguir verba em editais”.

Em relação à verba destinada pelo governo para a cultura, Camila, da Brazucah, comenta: "vejo uma grande boa vontade na tentativa de levar mais cultura à população, no entanto, não é legal deixar a decisão do que deve ser patrocinado e exibido como cultura brasileira ser tomada por um gerente de marketing".

*Bruna Escaleira, Camila Souza Ramos e Tatiane Ribeiro são alunas de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, que fizeram reportagens sobre o Fórum Social Mundial 2009 em colaboração para alguns sites, como o portal do Movimento Nossa São Paulo. A cobertura completa feita pelas estudantes pode ser acessada no blog http://tresnoforum.wordpress.com/

 

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