Para especialistas, sucateamento de políticas públicas e de serviços dificultam enfrentamento da violência contra a mulher, em São Paulo

Mulheres de diferentes áreas falam sobre os desafios na luta contra a desigualdade de gênero na capital paulista, durante evento de lançamento da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade”

“Trabalhamos muito para conseguir encontrar dados positivos sobre a situação da mulher no país. Os dados revelam ainda uma desigualdade muito grande com relação aos homens”, afirma Patrícia Pavanelli, do IBOPE Inteligência, durante a apresentação da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade”, em evento no Sesc Ipiranga, no último dia 12.

O estudo, realizado pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, apresenta dados reveladores sobre a situação das mulheres na capital paulista, como, por exemplo, um total de 52% das mulheres que declaram já ter sofrido algum tipo de assédio, sendo 38% delas dentro de transporte coletivo – um aumento de 13% em relação a 2018.

“Após junho de 2013, percebemos um aumento de denúncias de assédio”, destaca Marina Ganzarolli, advogada especialista em Direito da Mulher e da Diversidade, co-fundadora da DeFEMde – Rede Feminista de Juristas e presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-SP, durante o debate realizado no evento.

Para Ganzarolli, existe um aumento da visibilidade de casos de assédio e violências contra a mulher e, consequentemente, um aumento da conscientização sobre o tema também. Porém, simultaneamente, vem acontecendo um “sucateamento de políticas públicas” voltadas para o enfrentamento da violência contra a mulher, além de não termos “o mesmo trabalho de conscientização e de diversidade dentro do judiciário, dentro da polícia, dentro do sistema de justiça”, afirma a especialista.

“Todo um trabalho para aumentar a conscientização, não só das meninas do que é assédio, mas, principalmente, dos meninos do que é consentimento, vai por água abaixo quando você tem uma pessoa num cargo de liderança institucional que reverbera e corrobora a violência baseada no gênero”, alerta Ganzarolli.

A advogada também chama a atenção para a importância de ter dados qualitativos e quantitativos constantes para que seja possível entender “o quanto disso foi subnotificação e o quanto de fato temos de violências acontecendo agora”.

Para Luka Franca, jornalista e ativista do Movimento Negro Unificado, a pesquisa indica um grau de conscientização principalmente das mulheres entre 16 e 34 anos, que é justamente a geração que viveu “o processo de reorganizar a vanguarda do movimento de mulheres no Brasil”. Ela reforça ainda que esse aumento de conscientização é, também, um “reflexo do movimento social de mulheres na rua”.

Outro ponto destacado pela ativista foi a dificuldade que as mulheres têm de ir nas delegacias para prestar queixa. Além de serem unidades de difícil acesso para muitas e de haver uma limitação pelo horário de funcionamento, existe um “processo de revitimização” ao fazer uma denúncia – mesmo sendo em delegacia da mulher. “É necessário capacitar as redes de enfrentamento e as delegacias”, enfatizou.

Segundo a pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade”, 24% das mulheres se sentiriam mais à vontade de denunciar casos de assédio e violência em delegacias. Dessas, 31% são da classe C e 30% pretas e pardas. Mas, para a jornalista, esse dado não indica, necessariamente, que “as pretas e as pardas da periferia se sentem confortáveis de ir a uma delegacia, por conta de todo o processo de violência policial que a gente tem nas periferias”.

“Como a gente consegue lidar com uma realidade de violência doméstica junto com uma realidade de violência policial na cidade de São Paulo?”, questiona.

A pesquisa também evidencia a desigualdade no cuidado com filhos(as) na capital paulista: 36% das mulheres ficam mais com o(a) filho(a) do que a outra pessoa que cuida, e 33% das mulheres não dividem cuidados com ninguém. Ou seja, 69% das mulheres cuidam sozinhas ou quase sozinhas dos (as) filhos (as).

Thaiz Leão, designer de serviço social, artista visual, mãe e ativista, falou sobre a dificuldade de mães trabalharem da forma como “a sociedade cobra”. “50% das mulheres com crianças de 0 a 2 anos ou evadem do trabalho por falta de apoio, ou são demitidas por serem mães”, afirma.

A designer enfatiza que, ainda, “a maternidade é muito romantizada” e que existe uma “opressão pela expectativa desse conto de fadas”. Com a sobrecarga física e mental, “as mulheres estão se mobilizando para viver juntas e dividir essa tarefa de ser mãe”, relata.

Saiba mais:

Análise da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a cidade”

Apresentação da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade”

Saiu na mídia:

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Transporte público é mais propício a assédio para 4 em cada 10 mulheres

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