Análise da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a cidade”

A pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade”, realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o IBOPE Inteligência, traz dados sobre a qualidade de vida das mulheres na capital paulista e evidencia a desigualdade de gênero na cidade.

Assédio

Ao todo, 52% das mulheres declaram já ter sofrido algum tipo de assédio, sendo 38% delas dentro de transporte coletivo – um aumento de 13% em relação a 2018. Tal crescimento não significa, necessariamente, que o número de assédios em transporte coletivo tenha aumentado. Mas indica uma provável tomada de consciência em relação às diferentes formas de violências e assédios que as mulheres sofrem, como consequência de uma maior visibilidade de casos por meio das mídias sociais e de notícias de jornal, principalmente.

A pesquisa também revela que 44% das paulistanas acreditam correr mais risco de sofrer algum tipo de assédio no transporte público e 23%, nas ruas.

Apesar do alto número de assédios em locais públicos e de desconhecidos parecerem mais ameaçadores para muitas mulheres, a maior parte dos casos de violência contra a mulher acontece por conhecidos e dentro de casa. Segundo a pesquisa “Visível e Invisível – a vitimização de mulheres no Brasil”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em fevereiro deste ano, 42% dos casos de violência contra a mulher ocorreram no ambiente doméstico e em 75,4% o episódio mais grave de violência sofrido o agressor era um conhecido – um aumento de 25% em relação à pesquisa realizada em 2017.

Outro aspecto a ser considerado é a subnotificação de casos de violência contra a mulher. Um dos possíveis motivos para as mulheres deixarem de denunciar casos de violência doméstica é a dificuldade de perceber pessoas próximas como agressoras. Em análise da edição de 2017 da pesquisa “Visível e Invisível – a vitimização de mulheres no Brasil”, que revelou que em 61% dos casos o agressor é uma pessoa conhecida da vítima, Sílvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, afirma que:

“Os padrões são complexos e os enredos são suficientemente sofisticados e criados a ponto de justificar a ilusão de que o pai extremoso, o marido arrependido, o trabalhador honesto não pode ser tão “mau” a ponto de bater na mulher até tirar sangue ou quebrar um membro. Ele está desempregado, é só quando bebe, ele vai melhorar.”

Discriminação e preconceito no ambiente de trabalho

Em 2019, a pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade” indica que 24% das mulheres declaram ter sofrido algum tipo de preconceito ou discriminação no ambiente de trabalho por ser mulher, o que significa um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Entre essas, 30% têm entre 16 e 34 anos e 35% têm ensino superior completo.

Assim como nos casos de assédio em transportes públicos, esse dado não indica, necessariamente, um aumento no número de casos de preconceito ou discriminação no ambiente de trabalho. Com a maior visibilidade e alcance de assuntos relacionados à violência contra a mulher, esse número pode significar que as mulheres tenham mais elementos e informação para identificar os diferentes tipos de violência que sofrem – principalmente as mais jovens, que fazem parte de uma geração que, de forma geral, vivencia esse debate abertamente no dia a dia.

Canais que mais se sentem à vontade para denunciar casos de assédio e violência

A pesquisa também aponta que 26% das mulheres afirmam se sentir mais à vontade para denunciar casos de assédio e violência pelo telefone (centrais de atendimento, como 180 e 181); 24% presencialmente em delegacias voltadas ao público feminino; 18% por aplicativos de celular; 14% pela internet (e-mail, páginas ou redes sociais); e 6% em ONGs que atuam para auxiliar mulheres que passam por casos de assédio ou violência.

Entre as mulheres que se sentem mais à vontade para denunciar presencialmente nas delegacias, 31% são da classe C e 30% pretas e pardas. Esses dados podem indicar uma desigualdade no acesso aos canais que dependem de tecnologia e internet e da possível dificuldade de divulgação sobre os diferentes canais de denúncia.

Cuidado com filhos (as)

Sobre o cuidado com filhos (as), a pesquisa aponta que 36% das mulheres ficam mais com o (a) filho (a) do que a outra pessoa que cuida, e 33% das mulheres não dividem cuidados com ninguém. Ou seja, 69% das mulheres cuidam sozinhas ou quase sozinhas dos (as) filhos (as).

Apesar do aumento de 8% em relação ao ano anterior das mulheres que dividem igualmente os cuidados de filhos (as) com outra pessoa (chegando a 20%), não é possível afirmar que a divisão com o pai e/ou companheiro esteja se tornando mais igualitária, pois não há especificação de quem é a pessoa com quem divide os cuidados.

Esse cenário de desigualdade evidente não é restrito à cidade de São Paulo. Dados do IBGE revelam que mais de 80% das crianças no Brasil possuem a mãe como primeira responsável e 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro.

Confira a apresentação da pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade”.

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