Dobram licenças para prédio de uso misto com o novo Plano Diretor

Entre julho de 2014 e junho deste ano, foram liberados pela Prefeitura 120 edifícios que mesclam moradia, comércio e serviços.

Por Bruno Ribeiro e Edison Veiga

Na contramão da retração do setor imobiliário da capital paulista, fruto das incertezas da economia, a emissão de licenças para prédios de uso misto mais do que dobrou na cidade de São Paulo após a aprovação do novo Plano Diretor Estratégico (PDE), há um ano. Foram liberados 120 edifícios que mesclam moradia, comércios e escritórios entre julho do ano passado e junho deste ano, ante 55 empreendimentos entre julho de 2013 e junho de 2014. É um aumento de 118%. Os dados foram obtidos pela Lei de Acesso à Informação.

O número chama mais a atenção se comparado aos dados do setor como um todo. Nos últimos 12 meses, caiu 25% o número de pedidos de autorização para novos empreendimentos na Prefeitura. A queda é de 9.283 pedidos – entre julho de 2013 e junho do ano passado – para 6.900 entre julho de 2015 e junho deste ano, segundo a Secretaria de Licenciamentos.

Os projetos aprovados foram concebidos seguindo as regras do Plano Diretor antigo, que ainda não previam incentivos a esse tipo de empreendimento que agora existem – como, por exemplo, a elevação por quatro do potencial construtivo dos terrenos que abrigam as obras. Mas, no entender do Sindicato da Habitação (Secovi), já indicam uma disposição do mercado de investir em obras com essas características.

“Esses projetos que estão sendo aprovados agora são certamente daqueles que adquiriram os terrenos em 2014, deram entrada com o projeto ainda no ano passado, e estavam aguardando a aprovação”, diz Ricardo Yazbek, vice-presidente da entidade.

Esse crescimento é visto com bons olhos pelo setor. “É muito salutar o que vem acontecendo. O fato de a gente ter lojas no térreo, conversando com a calçada, com as pessoas transitando ali, isso é bom. É bom para a cidade, é bom para o comércio, para os serviços, que são o que normalmente fica no pavimento térreo de edifícios, a exemplo do que temos em alguns trechos de Higienopólis (zona oeste da capital), no Leblon e em Ipanema (Rio) e até em outras cidades, como Buenos Aires”, diz Yazbek.

Mas o vice-presidente do Secovi destaca que, mesmo com o crescimento expressivo, o número de aprovações é “muito baixo para uma cidade com o tamanho de São Paulo”, e um dos motivos é a falta de conhecimento das incorporadoras sobre o tamanho desse mercado. Não há certeza se há demanda, por exemplo, para tantas salas comerciais. “Encomendamos, juntamente com a Associação Comercial, uma pesquisa para tentar dimensionar a demanda por esses espaços”, completa Yazbek. Os resultados devem ser apresentados neste mês. 

O PDE foi aprovado em julho na Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em agosto. A regulamentação da nova lei ocorreu em abril. A expectativa é de que as aprovações só se transformem em novos lançamentos imobiliários depois das aprovações da Lei de Uso e Ocupação do Solo e do Código de Obras, ambos em discussão no Legislativo e com previsão de aprovação ainda neste ano.

Repercussão

“A notícia é interessantíssima”, diz o arquiteto e urbanista Lucio Gomes Machado, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “Indica o início da mudança de uma mentalidade de mais de 40 anos atrás, que setorizava a cidade em zonas de trabalho, moradia, lazer e circulação. Não se percebia o quanto isso era danoso para a cidade.”

Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o arquiteto e urbanista Valter Caldana concorda. “Em 1972 a cidade adotou um modelo de desenvolvimento urbano rodoviarista disperso, em lei, o que introduziu uma coisa perversa: a segregação e a estratificação do território. Finalmente, parece que tal modelo se exauriu.”

Caldana só vê vantagens no uso misto. “Primeiramente, porque aproxima a prestação de serviços do usuário do serviço. E porque cria emprego e renda perto de onde há moradia, reequilibrando a relação moradia, emprego e renda.”

Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo

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