Comissão da Câmara votará Plano Municipal de Educação novamente nesta sexta-feira

Erro na escolha do relator causou problema regimental. Vereadores, no entanto, afirmam que nada deve mudar em relação ao texto aprovado semana passada.

A Comissão de Finanças da Câmara dos Vereadores de São Paulo indicou hoje (17) o vereador Milton Leite (DEM) como novo relator do Plano Municipal de Educação (Projeto de Lei 415, de 2012) no colegiado. Ele deve elaborar o voto vencedor, documento que representa a vontade da maioria dos membros da comissão, quando todos os relatórios propostos são rejeitados, como ocorrido no último dia 10. Assim, o plano deve ir ao plenário somente na próxima semana. 

A votação da comissão na semana passada foi realizada com base no relatório produzido pelo vereador Ricardo Nunes (PMDB), que fazia a vez de voto vencedor. Porém, a votação teve de ser cancelada, porque Nunes também tinha apresentado um relatório que foi rejeitado pela comissão. E o regimento da casa não permite que a mesma pessoa tenha dois relatórios finais de comissão.

Os vereadores José Police Neto (PSD) – presidente da comissão – e Milton Leite garantiram que nada vai mudar nesse novo texto. “As questões já superadas não serão mais contempladas no relatório. Gênero está superado. O que vamos fazer é produzir um documento que contenha os entendimentos da maioria dos vereadores da comissão”, afirmou Leite.

A exclusão do percentual de aumento do investimento em educação pelo governo municipal, que iria a 30% da receita de impostos para educação básica e 5% para educação inclusiva, deve continuar excluída do plano. A não ser que algum vereador proponha uma emenda quando o plano for ao plenário da Câmara, para ser analisado por todos os vereadores.

Outros itens que devem continuar fora do texto, e que preocupam educadores e ativistas, são a limitação de alunos por sala de aula, a meta de erradicação do analfabetismo em cinco anos – ampliada para dez anos – e a menção aos termos gênero e diversidade sexual, na parte que trata da qualidade da educação e do combate à discriminação e ao preconceito. Todo o trecho que tratava de propostas pedagógicas de conteúdos sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual, relações de gênero e identidade de gênero foi excluído.

Nunes justificou que, como o termo gênero não foi incluído no Plano Nacional de Educação, aprovado em 2012, não havia condições de incluir no plano municipal. “Como podemos debater na cidade algo que foi recusado em âmbito nacional?”, questionou. Ele também defendeu que não há problema no fato de a Comissão de Finanças ter alterado o plano nas questões pedagógicas. Os termos “gênero” e “diversidade sexual” haviam permanecido no texto após a apreciação da Comissão de Educação da casa.

Para o vereador, o objetivo da escola deve ser repassar as matérias e não discutir questões de valores. “A família é que deve discutir essas questões”, afirmou. Nunes, no entanto, não soube explicar por que foi retirado do texto a menção à orientação sexual e gênero também do item que menciona o combate a discriminação e ao preconceito. “Fica entendido que nenhuma forma de preconceito ou discriminação pode ser aceita”, argumentou.

A vereadora Juliana Cardoso (PT), contrária à retirada dos itens citados, avaliou que a discussão sobre gênero terá dificuldade em avançar, se não houver mobilização da sociedade. “A sociedade precisa avançar na questão de cuidar do outro. Não se trata de influenciar, mas de propor respeito”, defendeu. Ela acredita que as questões organizativas serão resolvidas em plenário.

Na prática, porém, o texto a ser apresentado por Leite pode, sim, ser alterado em relação ao aprovado na semana passada. O que preocupou defensores e opositores da inclusão do termo 'gênero' no plano. A nova votação foi marcada para sexta-feira (19), às 14h. E deve mobilizar ativistas e religiosos – em sua maioria católicos –, como ocorreu na manhã de hoje e na quarta-feira passada (10).

A maior parte dos membros da comissão já se manifestou contrária a inclusão dos termos gênero e diversidade sexual no plano. Ao final da reunião, o vereador Adilson Amadeu (PTB) reuniu um grupo de religiosos e pediu que eles mantenham a mobilização e convoquem mais gente para lotar a Câmara e garantir a aprovação do texto como está, na sexta-feira.

Guerra santa

Já na acomodação das pessoas no plenário 1º de Maio da Câmara o clima entre católicos, ativistas LGBT e educadores esquentou. Ofensas e palavras de ordem foram ditas de parta a parte. “Fora, fascistas” e “o Estado é laico” gritavam os defensores da inclusão de gênero e diversidade sexual no texto. Muitos agitavam bandeiras coloridas. “Abençoa, senhor, as famílias, amém”, cantavam os religiosos, para em seguida emendar "Contra a ideologia de gênero, em defesa da família".

O informe de que a votação teria de ser refeita fez com que os contrários à inclusão de gênero e diversidade sexual no plano ficassem revoltados. Police Neto teve de pedir calma várias vezes aos religiosos. Muitas pessoas passaram a apontar crucifixos com a imagem de Jesus para a mesa diretora da Câmara.

“Essas pessoas, infelizmente, nem entenderam a proposta das discussões de gênero”, lamentou Marta Domingues, secretária de Políticas para as Mulheres do PT de São Paulo. “A educação de gênero é levar à compreensão de que os homens e as mulheres são formados também pela sociedade. E pela educação. O que vivemos é um processo de formação que ainda termina em homens violentos e mulheres submissas. Homens preparados para a vida pública e mulheres, para as tarefas do lar”, explicou.

Marta destacou que o objetivo do plano “não é destruir a família como estão pregando por aí”. Mas pensar uma política educacional “para a diversidade, considerando as relações de gênero e necessidade de enfrentar as origens da violência contra as mulheres e a população LGBT”.

Para ela, no entanto, o embate criado sobre o termo gênero foi somente uma cortina de fumaça. “A pretexto de combater a tal ideologia de gênero, o último substitutivo retirou do texto itens importantes sobre financiamento e número de alunos por sala de aula. Também queremos que isso seja recolocado”, afirmou.

“Cortina de fumaça”, no entanto, é como o coordenador da Missão Belém, padre João Pedro Carraro, avaliou a introdução do termo gênero no Plano Municipal de Educação. “Essa palavra define uma projeção cultural, na base da qual cada pessoa pode se sentir de uma determinada forma. Que não pode se chamar homem ou mulher, porque para eles esses são termos ultrapassados. Então, às 8h ele pode achar que estar como homem é bom. Às 10h, estar como mulher é bom. Ao meio-dia estar com um animal também é bom”, disse.

Segundo Carraro, o centro da questão é que a “ideologia de gênero” vai destruir todo o sentido de família. “Por isso, eu enxergo ser muito perigoso usar estas palavras que não são, absolutamente, sinônimo de respeito”, afirmou.

O padre defendeu que as leis brasileiras já têm um arcabouço amplo de proteção e combate à discriminação. Por isso, os termos gênero e diversidade sexual não fariam falta ao documento. “Não estamos julgando as pessoas em si. Isso é opinião minha, da igreja e de todos aqueles que seguem a palavra de Deus. Nós acreditamos que deve existir um respeito à natureza. Da mesma forma que não posso poluir o meio ambiente, não quero poluir as leis da sexualidade”, concluiu.

Renata Perón, presidenta do Centro de Apoio à Inclusão Social das Travestis e Transsexuais, argumentou: “Foi tirada do projeto a palavra gênero. Mas não é só isso. Por conta de uma palavra destruíram quatro artigos que buscavam garantir a permanência das travestis e transsexuais nas escolas”. Todas as ações de combate ao preconceito ficaram sem gênero e diversidade sexual, mantendo-se o enfrentamento à discriminação étnico-racial, social, religiosa e regional.

A população transexual é a que tem maior histórico de evasão escolar por conta de discriminação. “Só queremos os mesmos direitos que todas as pessoas têm de acesso à educação”, reclamou.

João Kleber Santana Souza, diretor escolar e professor de geografia da rede municipal, lembrou que essas ações não estão sendo introduzidas pelo plano, mas reforçadas. E a exclusão do termo vai tirar das escolas a possibilidade de trabalhar esses temas. “Está-se privando a escola de fazer um trabalho de prevenção contra o machismo e as diferentes formas de preconceito. Esse debate já existe na rede municipal de educação. Faz parte dos currículos de ciência, história. O que tem no plano é a orientação para que isso seja trabalhado na escola. Ninguém vai ensinar as crianças a serem gays. Mas a respeitar quem for”, observou.

Conspiração

A representante do Observatório Interamericano de Biopolítica, Maria Clara Moura de Souza Lopes Guimarães, defendeu o contrário. “Tudo começa com a desculpa de que a criança precisa se libertar do preconceito, mas posteriormente isso vira uma dominação do Estado sobre a família. Não se trata do respeito a um menino que queira brincar de boneca. Mas sim da eliminação de toda influência social para, a partir de suas experiências sexuais, você entender sua identidade”, afirmou.

Maria Clara disse que a comunidade religiosa não se voltaria contra o plano se se tratasse apenas de promover igualdade entre homens e mulheres ou a defesa dos homossexuais. “Os ideólogos de gênero defendem que o indivíduo tem de se libertar de toda a influência da sociedade, da cultura e da família, para que ele consiga analisar qual é a sua identidade de gênero. Com isso, tira-se da família o direito à educação daquela criança e transmite-se ao Estado”, avaliou.

Os documentos finais das conferências citadas por ela, no entanto, somente trazem defesas de representantes da comunidade internacional quanto à importância de promover a igualdade de gênero, de combater a discriminação, de promover os direitos sexuais e reprodutivos.

Ontem, a ONG Ação Educativa, o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), o Fórum Municipal de Educação Infantil de São Paulo e outras entidades divulgaram manifesto repudiando a aprovação do novo texto na Comissão de Finanças da Câmara, considerado por elas “um retrocesso”. As organizações cobram a reinserção dos termos gênero e diversidade sexual no plano, a garantia de aumento no financiamento da educação, uma política firme de combate ao analfabetismo e a redução de alunos nas salas de aula, entre outros pontos.

“Entendemos que só assim o Plano de Educação poderá se constituir em um eficaz instrumento na superação das desigualdades nesta cidade, orientando o planejamento de médio e longo prazos, a avaliação e o controle social de políticas educacionais”, defenderam as entidades no manifesto.

Matéria originalmente publicada no portal da Rede Brasil Atual

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