Plano Diretor opõe proteção ao ambiente e demanda por moradia

Especialistas debatem proposta de ocupação em mananciais e criticam novas áreas de interesse social em regiões de proteção da capital

Por Giovana Girardi 

As discussões sobre o novo Plano Diretor de São Paulo reacenderam um velho dilema – que ocorre não só na capital paulista, mas em várias cidades do mundo – entre a proteção ao ambiente e a demanda por moradia popular.

Em meio às medidas que visam a regularizar ocupações históricas e consolidadas em regiões de mananciais, como nas margens das Represas Billings e do Guarapiranga, na zona sul, há pressão para permitir construções também em locais ocupados recentemente, como a chamada Nova Palestina, no Jardim Ângela.

Para especialistas em ambiente e urbanismo – convidados pelo Estado para analisar o tema no Dia Mundial do Meio Ambiente -, o Plano Diretor traz inovações interessantes em relação a remanescentes de vegetação e de mananciais, mas pode falhar se permitir brechas.

É a opinião de Paula Santoro, professora de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e integrante do Movimento pelo Direito à Cidade. 

Ela enumera como vantagem a volta da definição de zona rural em São Paulo, onde só poderá ser feita produção agroecológica. Outra inovação, para Paula, será o pagamento por serviços ambientais, para estimular a preservação de propriedades onde ainda existe floresta, nas zonas sul e norte. 

“E o plano reconhece como ZEIs (zonas especiais de interesse social) áreas que foram ocupadas precariamente. Isso autoriza construções de modo menos denso do que em outras regiões centrais, mas ainda traz uma infraestrutura que diminui o impacto”, diz a urbanista. 

“Mas isso foi pensado para reconhecer áreas já ocupadas. Sou contra que se acrescente novas áreas. Não seria nada didático mostrar que pessoas parando a cidade podem ter ZEI onde quiserem. A discussão do Plano Diretor passa por uma definição do que a cidade, como um todo, quer”, diz.

Pressão

Ela se refere à pressão do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) para transformar a Nova Palestina – área de 700 mil m2 ocupada por cerca de 10 mil famílias – em ZEI. Protestos pararam a cidade para tentar incluir a área nessa categoria, o que foi acatado pelo relator do projeto, vereador Nabil Bonduki (PT). 

Ao contrário de outras ocupações na Billings e na Guarapiranga, que já têm mais de 40 anos, a Nova Palestina foi tomada no começo do ano.

“O plano diretor tenta dar algum tipo de resposta, mas o problema é que ele mantém a lógica do modelo de desenvolvimento, de exploração dos recursos naturais. É preciso achar formas de consolidar quem já estava lá, mas às vezes também é preciso remover pessoas, só que ninguém quer falar nisso”, diz Marcelo Cardoso, especialista em mananciais da ONG Vitae Civilis.

Para o vereador Gilberto Natalini (PV), o problema é a falta de política que ofereça condições de moradias populares. “No desespero, sem casa, as pessoas ocupam áreas que jamais deveriam ser ocupadas”, diz. 

“Mas estamos vivendo uma crise hídrica e estão ocupando os poucos remanescentes de mananciais e de áreas verdes de São Paulo. A Nova Palestina é lindeira à Represa do Guarapiranga, tem ali inúmeras nascentes e, além disso, havia decreto para que toda aquela região virasse um parque”, afirma.

Outro lado

Bonduki contra-argumenta que não se trata de um dilema e afirma que a construção de habitações formais, com oferta de infraestrutura, rede de esgoto e coleta de resíduos, vai aumentar a proteção. “Certamente haverá uma qualidade maior do que há hoje com as ocupações, que se fazem em condições de muita precariedade”, afirma.

Em relação à Nova Palestina, ele afirmou que não havia proibição que se ocupasse aquela região e lembrou que a Lei de Mananciais estabelece regras de adensamento. “Poderá construir, mas dois terços da área terão de ficar desocupados e ali vamos construir um parque.”

Líder do MTST, Guilherme Boulos também descartou a ideia de conflito. “Quem causa o maior dano ambiental são os mesmos que nos forçam a ir para os piores lugares. Não é quem está vivendo na beira da represa, mas aqueles que privatizaram todo o espaço urbano e geraram especulação imobiliária”, afirma.

Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo

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