Em países como Noruega e Suécia, carro oficial para políticos é exceção; em São Paulo, é regra

Elvir Pereira

Há cidades cujos prefeitos vão para o gabinete e voltam para casa de bicicleta. Como Londres e Amsterdã. Existem políticos que compartilham o mesmo veículo ou utilizam o deles no dia a dia. A exemplo dos noruegueses e suecos. E há São Paulo, onde o carro placa preta é regra, não exceção.
 
Estão presentes no governo do Estado, na prefeitura, na Assembleia e na Câmara, tanto para atender os políticos eleitos, como seus auxiliares, em compromissos oficiais e no trajeto do lar para o trabalho. Pouquíssimos políticos o dispensam: três vereadores e dois deputados.
 
Por três semanas, a sãopaulo perguntou ao Palácio dos Bandeirantes o número de veículos do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e de seus secretários, os modelos, como foram contratados e o gasto com cada um deles. Não houve resposta, apesar de, no fim de junho deste ano, após a série de protestos contra o aumento das tarifas do transporte público, o governador ter anunciado que reduziria a frota de carros oficiais.
Poeira
 
Na frota da prefeitura paulistana, um dos veículos é definido por sua fabricante, a Chrysler, como "puro luxo". O 300C vale R$ 154,5 mil, na cotação de tabela. Conta com motor V6, sistema de som premium, rodas de alumínio aro 18 e bancos de couro.
 
O que está na garagem da prefeitura, no vale do Anhangabaú, tem tudo isso mais blindagem.
O veículo foi alugado por meio de licitação em 15 de outubro de 2012, como parte de um pacote para o gabinete do prefeito. Ao todo, o serviço abrangia 22 carros alugados, ao custo de R$ 1,145 milhão por ano, com fornecimento de combustível.
 
O ex-prefeito Gilberto Kassab (DEM) diz nunca ter entrado no veículo. A contratação do serviço, segundo sua assessoria, ocorreu no fim do mandato para não deixar o próximo gestor sem transporte. Os demais eram 20 veículos Fiat Linea.
 
Inicialmente havia dois Chrysler na garagem. Fernando Haddad (PT) considerou os veículos "inadequados", de acordo com sua assessoria, e decidiu não percorrer a cidade neles.
 
O contrato de aluguel acabou renegociado, e um deles foi devolvido, além de um Linea.
 
Não foi rescindido, justifica a assessoria da prefeitura, por conta do valor da multa.
 
Empoeirado, o outro espera o término do contrato, em outubro próximo. O 300C parado custa R$ 13.075 por mês.
 
Atualmente, o prefeito Haddad locomove-se em um Omega blindado, emprestado pela GM, e em um Toyota Corolla blindado, pelo custo mensal de R$ 8.900.
 
Os carros oficiais do gabinete também atendem a primeira-dama, Ana Estela Haddad, e os dois filhos do casal, por questões de segurança.
 
Os auxiliares do prefeito igualmente dispõem de carro oficial, com motorista particular e que pode circular em dia de rodízio. Todos os 27 secretários, 27 secretários-adjuntos, 27 chefes de gabinete e 31 subprefeitos, além dos dois do prefeito.
 
Ao todo, são ao menos 114 placas pretas. A prefeitura, no entanto, não soube detalhar o custo de todos esses carros. Na contabilidade, eles se juntam aos veículos de serviço, como os funerários.
No total, a frota municipal soma 842 veículos, ao custo mensal de R$ 3.802 milhões.
 
A gestão Haddad afirmou que "trabalha em normas de padronização de uso e contratação dos veículos". Além disso, disse que "vem renegociando os contratos de transportes herdados da gestão anterior".
 
Câmara
Entre os vereadores, há falta de padrão para alugar os placas pretas. A Casa escolheu, por licitação, a locadora Cotrans para fornecer veículos Linea.
 
Hoje, entretanto, 10 de 52 vereadores preferem outras empresas e modelos superiores, prática permitida por um ato da Casa.
 
Eduardo Tuma (PSDB) destina R$ 3.000 da verba de gabinete, todo mês, para dirigir um Cruze, da Chevrolet. Valor acima do Linea da Câmara, que sai por R$ 2.649,04.
 
O Cruze é locado da ARQ Solution, gestora de frotas. O CNPJ da empresa aparece entre os doadores de campanha do vereador na última eleição. A colaboração, registrada no dia 6 de agosto de 2012, foi de R$ 4.000, em cheque.
 
"Não há qualquer relação entre a doação e sua escolha" nem "qualquer vício na contratação", explicou o vereador à sãopaulo, em nota.
 
Tuma destacou o fato de o Cruze ter airbags laterais, airbags cortinas, sensores de estacionamento e regulagem da altura dos faróis. Tudo o que o Linea não tem, segundo ele.
Ressaltou, ainda, que dirige o próprio veículo e que não depende de motorista, o que custaria mais R$ 6.000 por mês.
 
Os vereadores Vavá do Transporte, Jair Tatto, Alfredinho, todos petistas, George Hato (PMDB) e Ota (PSB) igualmente gastam um pouco a mais para alugar Corollas. O gabinete de Ota desembolsa R$ 5.309 por mês.
 
Queixam-se do Linea, que apresentaria problemas mecânicos e falta de potência do motor para encarar subidas. A relação entre custo e benefício compensa, segundo eles.
 
Em abril deste ano, os promotores José Carlos Blat e Valter Santin, do Ministério Público, abriram um inquérito para apurar se a contratação da Cotrans foi a melhor escolha.
 
A meta é apurar se a Casa deveria alugar carros ou comprá-los, a fim de economizar o dinheiro dos contribuintes. O caso está em análise.
 
Assembleia
 
Diferentemente dos vereadores, os 94 deputados estaduais dispõem de uma frota comprada. São veículos Vectra Elite 2.0, o mais completo do modelo, adquiridos em dezembro de 2010 por R$ 8.925 milhões.
 
No início deste ano, ensaiou-se a renovação da frota. Porém, reportagem de "O Estado de S. Paulo" afirmou que só o veículo Corolla atenderia às características exigidas pelos políticos, o que resultou na abertura de inquéritos no Tribunal de Contas e no Ministério Público.
 
Os deputados desistiram, então, de trocar os veículos.
 
A um ano da eleição, em que os políticos tentarão se reeleger, a Mesa Diretora da Assembleia diz que o "assunto não está na pauta".
 
Com a suspensão da troca, que consumiria estimados R$ 11 milhões, os processos no Tribunal de Contas terminaram arquivados. O MP recomendou o mesmo destino para o inquérito civil, que ainda passará pelo Conselho Superior da instituição.
 
Os deputados recebem carros oficiais desde 1975. Cada político tem o seu, com até dois motoristas à disposição. Caso ele opte por não utilizá-lo, o carro fica parado em alguma garagem, depreciando.
 
Há o carro e o fornecimento de combustível. Na Assembleia, segundo a assessoria da Mesa Diretora, o deputado pode solicitar o reembolso de até R$ 14.721,20 por mês, entre combustíveis e lubrificantes.
 
Nenhum deputado atinge o teto. O que mais se aproxima é o tucano Carlão Pignatari. Entre janeiro e maio, ele requereu R$ 37 mil em reembolsos (o que dá uma média de R$ 7.400 ao mês).
 
Com o litro de gasolina a R$ 2,79, essa quantia permitiria a ele percorrer os exatos 833 km entre São Paulo e a cidade catarinense de Tubarão todos os dias, nos cincos meses, descontados os domingos e trabalhando em feriados, incluindo o Carnaval. A viagem dura mais de oito horas.
O deputado, que se declara empresário do ramo avícola, mora em Votuporanga, a 521 km da capital. Viaja para Assembleia às terças e retorna para casa às quintas.
 
Segundo seu assessor de imprensa, ele não poderia ser localizado para conversar com o repórter.
Carlão, informou, é um deputado "presente" e percorre a região de Votuporanga toda sexta e sábado.
 
A sãopaulo quis saber também como o gabinete gastou R$ 7.706,09 de combustível em janeiro deste ano, quando a Assembleia está de recesso. O assessor respondeu: "Não sei, não tenho conhecimento".
 
– ‘Não tenho necessidade do carro’
Vereador Abou Anni (PV), 46, diz preferir seu Doblo 2010 e ônibus às sextas
 
Por que dispensou o carro oficial?
Utilizei uma época, mas não é prioridade com o perfil do meu mandato. O custo desse veículo é vinculado à verba de gabinete. Prefiro, se houver necessidade, utilizá-la para outra finalidade, como divulgação de matérias de interesse público, da sociedade. Não tenho necessidade do carro.
 
E como cumpre suas atividade de vereador?
Tenho meu carro particular. Desgasta, mas não me importo, não. A minha atividade externa não é tão grande que eu não possa utilizar o meu. Não uso com frequência. Se o transporte fosse mais eficiente, eu abriria mão totalmente.
 
Com faz no dia do rodízio?
Venho de ônibus. O meu rodízio é às sextas-feiras.
 
 
– ‘Temos de fazer a transmissão para o coletivo’
Vereador Nabil Bonduki (PT), 58, vai de carro próprio, um Corsa 2008
 
Por que o senhor dispensou o carro oficial?
Não é o caso, nessa altura do campeonato, com tantas questões que se levantam [sobre transporte público], usar carro oficial. Uso o meu. Quando necessário, uso metrô, ônibus e táxi. Estamos num período que temos de fazer a transição do carro individual para o transporte coletivo.
 
E os funcionários do gabinete?
Usam o próprio carro, o transporte coletivo ou, quando precisam, táxi.
 
Como faz no dia do rodízio?
Procuro não ter uma agenda complicada antes das 10h30. Quando tenho, uso táxi, transporte coletivo ou pego carona. Também não acho que tem de ser feita uma bravata em torno disso. Há vereadores que têm necessidade do carro oficial.
 
 
– ‘Acho um acinte para a população’
Vereador Toninho Vespoli (PSOL), 47, dirige um Prisma próprio, ano 2011
 
Por que o sr. dispensou o carro oficial?
Eu me sentiria mal, sou da periferia, da região de Vila Prudente e de Sapopemba. Seria estranho aparecer com um Linea luxuoso no meio da favela onde temos trabalho social. Acho isso um acinte para a população. Não me sentiria bem.
 
Qual é a sua proposta?
Se a Câmara comprasse carros populares, tipo Palio, teriam a mesma utilidade de um Linea. Daria para ter uma boa economia. Ando com meu carro próprio, mas percebo o desgaste das peças. Ele está rangendo em diversos lugares. É um custo que vai acabar saindo do meu bolso. Mas prefiro assim.
 
 
– ‘Fico mais confortável no meu carro’
Deputado Edson Ferrarini (PTB), 76, prefere usar seu Ford Fusion blindado
 
Por que o senhor não utiliza o carro oficial oferecido pela Assembleia Legislativa?
Primeiro porque eu moro na capital. Fico mais confortável no meu, particular. Com o veículo oficial, você precisa tomar muitos cuidados. Não pode, por exemplo, estacionar na porta de restaurante. E também uso meu carro [Ford Fusion] por ser blindado, por questão de segurança.
 
O carro oficial fica parado na garagem sem uso?
Fica. Devolvo ele novo. Tem apenas 6.000 quilômetros rodados. Tem de pôr gasolina, fazer revisão. Mas tem deputado que mora, por exemplo, em Presidente Prudente [cidade no interior de São Paulo, a 558 quilômetros da capital]. O carro é instrumento de trabalho.
 
 
LÁ FORA
DINAMARCA
Ministros, secretários e generais podem comprar um modelo sem o custo de impostos. O veículo pode ser substituído após 4 anos de uso ou 150 mil km rodados.
HOLANDA
Parlamentares não têm direito a carro oficial. Caso queiram utilizá-lo, precisam arcar com a despesa. Em Amsterdã, só o prefeito tem direito a carro oficial, mas ele também utiliza bicicleta para ir ao trabalho.
 
SUÉCIA
Primeiro-ministro e ministros não têm direito a carro oficial. Podem, no máximo, solicitar reembolso para viagens oficiais ou se residirem a 70 km ou mais de Estocolmo. Os parlamentares têm as seguintes opções: usar o próprio carro (com reembolso de combustível), táxi ou transporte público. Prefeitos, se solicitarem verba para transporte, terão o valor descontado do salário.
 
NORUEGA
Há 20 carros para atender o governo. Só o primeiro-ministro tem um veículo exclusivo. Prefeitos e chefes do Conselho Municipal de Oslo, Bergen e Tromsø, as três maiores cidades, têm prioridade para usar a frota em compromissos oficiais. Usar transporte público é compromisso dos políticos eleitos na cidade. Na maior cidade da União Europeia, nem o prefeito tem direito a carro oficial. Eleito em 2008 para governar Londres, Boris Johnson costuma se deslocar para o trabalho de metrô ou de bicicleta. Ele e os vereadores da capital britânica recebem um vale-transporte anual válido para ônibus, trens e metrô. Ao tomar posse, todos são avisados de que o uso do transporte público é quase uma das obrigações do cargo.
As regras da prefeitura e da London Assembly, equivalente londrino à Câmara dos Vereadores paulistana, são bem claras quanto à ausência de motoristas e carros oficiais: "O prefeito e os membros da London Assembly têm o compromisso de usar o transporte público", diz um documento.
Boris fez da austeridade uma poderosa arma de marketing. Colou sua imagem ao cicloativismo, uma bandeira cada vez mais popular no Reino Unido.
Além de aparecer em público de capacete, ele virou garoto-propaganda do programa de aluguel de bicicletas nas ruas da cidade, uma aposta para reduzir as viagens de carro e até de ônibus em pequenas distâncias.
O município só reembolsa despesas com táxi caso as autoridades provem que não puderam optar por uma opção mais barata.
Depois de aprovadas, as prestações de contas podem ser acessadas por qualquer cidadão na internet (os dados da Câmara e da Assembleia de São Paulo também estão na rede).
No ano passado, por exemplo, Boris recebeu R$ 382 de reembolso por quatro viagens de táxi.
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