Análise da pesquisa “Viver em São Paulo – Diversidade”

Por Américo Sampaio, gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo

Destaque da amostra

A pesquisa “Viver em São Paulo: Diversidade”, da Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência, incluiu no seu perfil amostral a pergunta de autodeclaração sobre a orientação sexual dos entrevistados. O resultado, conforme registrado pelos ouvidos pela pesquisa, aponta que 90% dos paulistanos se declaram heterossexuais, 3% homossexuais, 2% bissexuais e 5% não sabe ou não respondeu. Esses resultados acompanham simetricamente os mesmos valores registrados na pesquisa nacional Datafolha de 2017. Nela a taxa de brasileiros que se declaram heterossexuais foi de 90%, 2% se autodeclararam homossexuais e iguais 2% bissexuais, o percentual de pessoas que não responderam chegou a 6%.

Tolerância

Para 50% dos paulistanos a cidade é totalmente tolerante em relação à população LGBT+, enquanto para 23% a cidade é indiferente ao tema, e para iguais 23% a cidade é intolerante com relação a esse segmento da sociedade. Outros 4% dos entrevistados não souberam ou preferiram não responder a essa questão. Destaca-se aqui o fato de que a percepção de tolerância é maior conforme aumenta o nível de instrução, idade e classe social. Isso mostra certo distanciamento da realidade desse recorte específico da sociedade. Quando analisamos os dados por região, notamos que a percepção de que a cidade é mais tolerante à população LGBT+ é maior entre os moradores da Região Leste (56% acham a cidade tolerante), enquanto os da Região Norte apresentam a maior proporção para a intolerância (27% acham a cidade intolerante). Dada as elevadas taxas de violência contra a população LGBT+ e as cotidianas demonstrações LGBTfóbicas registradas na cidade, metade dos paulistanos entenderem que a cidade é tolerante à essa população desperta inquietação quando comparado esse item aos demais resultados dessa pesquisa. Uma hipótese para um valor tão alto de entrevistados que entendem que a cidade de São Paulo é tolerante aos LGBT+ é o desconhecimento do tema ou o desinteresse (e até desinformação) com relação ao tema da violência e LGBTfobia.

Avaliação da administração municipal

Cerca de 3/4 dos paulistanos avaliam que a Administração Municipal tem feito pouco ou nada para combater a violência contra a população LGBT+. Para 46% dos entrevistados a Prefeitura de São Paulo tem feito muito pouco para combater esse tipo de violência e para 28% a Prefeitura não tem feito nada. Apenas 8% dos entrevistados afirmam que a Prefeitura tem feito muito para garantir a segurança da população LGBT+. E, ainda, 18% não souberam ou preferiram não responder a pergunta. Esse item da pesquisa revela que por mais que metade da população entenda que a cidade é tolerante com relação à população LGBT+, 7 em cada 10 paulistanos afirmam que a Prefeitura não vem fazendo um bom trabalho para combater a violência contra os LGBT+s. O fato de 2 em cada 10 paulistanos não saberem responder a essa pergunta também revela um alto grau de desconhecimento da população sobre as políticas municipais desse segmento. Quando analisamos os dados regionalmente, o destaque fica para a região central, onde 13% dos entrevistados afirmam que a Prefeitura vem fazendo muito para combater esse tipo de violência. Isso pode revelar uma concentração de políticas para o público LGBT+ no centro da cidade, ou ainda pode demonstrar que a população da região central conhece melhor as políticas municipais do que a população das demais regiões.

Situações de preconceito

A pesquisa revela também que são nos espaços e transporte públicos que os paulistanos mais afirmam terem vivido ou presenciado situações de preconceito de gênero ou orientação sexual. 51% dos entrevistados já vivenciaram ou presenciaram situações de preconceito contra LGBT+s em espaços públicos e 46% vivenciaram ou presenciaram as mesmas situações no transporte público da cidade. Isso demonstra o alto grau de vulnerabilidade que essa população enfrenta nos locais de trânsito na cidade. Em resumo, 5 em cada 10 paulistanos já tiveram contato com essas situações de violência nesses locais, o que é uma taxa muito elevada. Ainda 4 em cada 10 paulistanos já vivenciaram ou presenciaram situações de preconceito contra LGBT+s em escolas, faculdades, shoppings, comércios, bares e restaurantes. E 3 em cada 10 paulistanos tiveram contato com esse tipo de violência no trabalho, na família e em banheiros públicos e de estabelecimentos privados. Tudo isso demonstra que a cidade de São Paulo é um lugar hostil e insegura à população LGBT+. Quando analisamos a parcela da população paulistana que já vivenciou todas as situações de violência citadas acima, encontramos que 13% dos paulistanos fazem parte desse grupo. O que se destaca nesse recorte é a população de 25 a 34 anos, da Classe B e com maiores rendas, isto é, esse é o perfil do grupo de pessoas que já presenciou ou vivenciou todas as formas de violência citadas na pesquisa. Na outra ponta da régua, cerca de 3 em cada 10 paulistanos (28%) não tiveram contato com nenhuma das situações de preconceito investigadas. E quando analisamos os dados regionalmente, identificamos que a população da região oeste é a que mais vivenciou ou presenciou situações de preconceito de gênero ou orientação sexual nos espaços públicos (57% dos entrevistados dessa região), e a população da região norte foi a que mais vivenciou ou presenciou esse tipo de violência no transporte público (54% dos entrevistados dessa região).

Favorabilidade do paulistano às questões LGBT+

A pesquisa da rede Nossa São Paulo revela também a favorabilidade dos paulistanos com relação a questões que envolvem a população LGBT+. Mais da metade da população é favorável à criação de leis de incentivo à inclusão dos LGBT+ no mercado de trabalho (54% de favorabilidade), a pessoas transexuais e travestis adotarem o nome social, ou seja, o nome pelo qual preferem ser chamados(as) (53% de favorabilidade) e à adoção de crianças por casais homossexuais (51% de favorabilidade). O mesmo patamar de favorabilidade é encontrado com relação a casamento entre homossexuais, mas um pouco menor do que nos outros itens citados, 45% dos paulistanos são favoráveis ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, quando analisamos as questões mais “íntimas” ou “próximas” das pessoas, o índice de favorabilidade tem uma queda significativa. Apenas 23% dos entrevistados são favoráveis a pessoas do mesmo sexo demonstrarem afeto, como beijos e abraços, na frente dos seus familiares, enquanto 38% são contra. Índice semelhante com relação à favorabilidade de pessoas do mesmo sexo demonstrarem afeto, como beijos e abraços, em locais públicos, 22% são favoráveis e 43% contra. E por fim, com a maior rejeição pelo paulistano, está a criação de banheiros unissex, ou seja, sem demarcação de gênero. Somente 20% dos entrevistados são favoráveis à ideia, enquanto 52% são contrários. Esse item da pesquisa demonstra que quanto menos “íntimas” são as questões que envolvem a população LGBT+, maior a favorabilidade do paulistano, isto é, o paulistano é mais favorável às questões ligadas aos LGBT+s quando elas acontecem “longe” do entrevistado. Por exemplo, mais da metade da população (54%) é a favor da criação de leis para inserção dos LGBT+s no mercado de trabalho, mas menos da metade disso (23%) é favorável a pessoas do mesmo sexo demonstrarem afeto na frente dos seus familiares. Tudo isso demonstra um alto nível de preconceito da população paulistana com relação aos LGBT+s, bem como certo apoio à velha ideia de que “as pessoas podem ser gays ou lésbicas, eu não sou contra, mas demonstre isso longe de mim”. Dessa forma, é possível caracterizar a população paulistana como sendo mais favorável às questões relacionadas à população LGBT+ quando não precisa conviver com elas. Quando o assunto é a convivência mais íntima com LGBT+s os paulistanos demonstram maior preconceito.

Índice de LGBTfobia

A pesquisa "Viver em São Paulo: Diversidade" traz uma novidade, que é o Índice de LGBTfobia. O índice foi criado para classificar a população paulistana de modo a compreender a variação da favorabilidade às frases sobre a temática LGBT+. Para compor o índice cada opinião respondida pelos entrevistados recebeu um peso diferente para o cálculo, considerando o posicionamento declarado a cada uma das frases apresentadas no item anterior (no qual “a favor” recebeu peso 0,0, “contra” recebeu peso 1,0 e “nem, nem” e “NS/NR” = peso 0,5). O resultado final é uma escala que varia de 0 a 1. Sendo quanto mais próximo de 0, mais favorável é o respondente em relação aos temas LGBT+, e quanto mais próximo de 1 é o índice, mais contrário ele é. Na média a cidade de São Paulo alcançou o índice de 0,46, o que representa que de forma geral o índice de LGBTfobia aponta que o paulistano é timidamente mais favorável às questões LGBT+. No entanto, quando observamos os dois polos de favorabilidade (mais favoráveis e mais contrários) a partir do índice de LGBTfobia encontramos dois perfis antagônicos. O perfil do grupo mais favorável a questões relacionadas à população LGBT+ é composto por mulheres, mais escolarizadas, da região oeste da cidade, de religiões diversas, com renda familiar de mais de 5 salários mínimos e com idade entre 25 e 34 anos. Já o perfil do grupo mais contrário a questões relacionadas à população LGBT+ é composto por homens, menos escolarizados, da região leste da cidade, evangélicos ou protestantes, com renda familiar de menos de 2 salários mínimos e com mais de 55 anos. 

Confira aqui a apresentação da pesquisa “Viver em São Paulo: Diversidade”

Confira aqui a pesquisa completa, com todas as tabelas 

Contexto nacional

A pesquisa elaborada pela Rede Nossa São Paulo dialoga com os dados nacionais sobre o tema. Com relação ao país, é importante destacar o estudo do Grupo Gay da Bahia (GGB) que registrou um aumento de 30% nos homicídios de LGBTs em 2017 em relação ao ano anterior, passando de 343 para 445. Segundo o levantamento, a cada 19 horas um LGBT+ é assassinado ou se suicida vítima da LGBTfobia, o que faz do Brasil o campeão mundial desse tipo de crime. A causa das mortes registradas em 2017 segue a mesma tendência dos anos anteriores, predominando o uso de armas de fogo (30,8%), seguida por armas brancas cortantes, como facas (25,2%). Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se mais homossexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBTs. O maior número dos assassinatos (56%) ocorreu em via pública, mas também é grande o número de crimes que foram registrados dentro da casa das vítimas: 37%, segundo o levantamento. A pesquisa mostra, ainda, que em geral esses crimes ficam sem punição. A cada quatro homicídios o criminoso foi identificado em menos de 25% das vezes. Além disso, menos de 10% das ocorrências resultaram em abertura de processo e punição dos assassinos. Em 2017 a média de assassinatos e mortes de LGBT no Brasil foi de 2,14 por um milhão de habitantes, 0,45 superior em relação a 2016 (1,69). Os estados que notificaram o maior número de homicídios e suicídios de LGBT+ em 2017 em termos absolutos foram São Paulo, com 59 vítimas, Minas Gerais, com 43, Bahia, com 35, e Ceará, com 30.

Considerações finais

A cidade é percebida como mais tolerante do que intolerante à população LGBT+. Os paulistanos encontram-se em uma posição timidamente mais favorável às questões que envolvem os LGBT+. Ainda assim, chama atenção a parcela dos que vivenciaram ou presenciaram situações de preconceito, especialmente em espaços ou transporte públicos. Também é expressivo o número de paulistanos que se posicionam contrários às manifestações de afeto – seja no âmbito familiar ou em locais públicos –, demonstrando que há barreiras no convívio da população paulistana com as questões LGBT+. Tais obstáculos precisam ser superados, especialmente entre os homens, as pessoas mais velhas, as menos escolarizadas, as com menor renda familiar e os evangélicos. Nesse contexto, a discussão a respeito da temática LGBT+ precisa ser mais difundida, buscando esclarecer e sensibilizar a todos, mas especialmente os segmentos menos afeitos ao tema. Complementarmente, faz-se necessária a atuação mais ampla do poder público a respeito desta questão e o Indicador de LGBTfobia poderá servir como um termômetro dos avanços e retrocessos a respeito desta temática.

Conclusões

1. A cidade de São Paulo é uma cidade hostil à população LGBT+. Por mais que a população LGBT+ represente 5% da população paulistana, chama a atenção o fato de 5 em cada 10 entrevistados já terem vivenciado ou presenciado situações de preconceito contra LGBT+s em espaços ou transporte público da cidade. Esses dois espaços são os mais violentos com a população LGBT+;

2. O paulistano é mais favorável às questões ligadas aos LGBT+s quando elas acontecem “longe” do entrevistado.  Mais da metade da população (54%) é a favor da criação de leis para inserção dos LGBT+s no mercado de trabalho, mas menos da metade disso (23%) é favorável a pessoas do mesmo sexo demonstrar afeto na frente dos seus familiares. Tudo isso demonstra um alto nível de preconceito da população paulistana com relação aos LGBT+s, bem como certo apoio à velha ideia de que “as pessoas podem ser gays ou lésbicas, eu não sou contra, mas demonstre isso longe de mim”;

3. O paulistano se divide em dois grupos em polos opostos com relação à favorabilidade ou contrariedade a questões relacionadas à população LGBT+. O grupo mais favorável é composto por mulheres, mais escolarizadas, da região oeste da cidade, de religiões diversas, com renda familiar de mais de 5 salários mínimos e com idade entre 25 e 34 anos. Já o perfil do grupo mais contrário a questões relacionadas à população LGBT+ é composto por homens, menos escolarizados, da região leste da cidade, evangélicos ou protestantes, com renda familiar de menos de 2 salários mínimos e com mais de 55 anos. Na média a cidade de São Paulo alcançou o índice de 0,46 no Índice de LGBTfobia, o que representa que de forma geral o índice aponta que o paulistano é timidamente mais favorável às questões LGBT+;

4. 3/4 dos paulistanos avaliam que a Administração Municipal tem feito pouco ou nada para combater a violência contra a população LGBT+. Para 46% dos entrevistados a Prefeitura de São Paulo tem feito muito pouco para combater esse tipo de violência e para 28% a Prefeitura não tem feito nada. Apenas 8% dos entrevistados afirmam que a Prefeitura tem feito muito para garantir a segurança da população LGBT+. E, ainda, 18% não souberam ou preferiram não responder a pergunta. Isso revela que 7 em cada 10 paulistanos afirmam que a Prefeitura não vem fazendo um bom trabalho para combater a violência contra os LGBT+s, e 2 em cada 10 paulistanos não sabem responder a essa pergunta. Esse último dado revela um alto grau de desconhecimento da população sobre as políticas municipais desse segmento.

Caminhos

• Poder Público

Executivo:

– Desenvolver políticas públicas que tirem a invisibilidade das questões relacionadas à população LGBT+;
– Promover campanhas de sensibilização e educacionais de combate à LGBTfobia (em especial nas escolas municipais);
– Promover igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBT+ no âmbito do funcionalismo público;
– Criar equipamentos públicos como Centros Municipais de Cidadania LGBT em todas as regiões da cidade;
– Manter diálogo permanente com os movimentos LGBT+s para monitorar a atuação dos governos com relação ao tema;
– Promover formação para a Guarda Civil Municipal (GCM) com temas relacionados aos direitos LGBT+;
– Desenvolver políticas municipais para a criação de certificados para estabelecimentos públicos e privados de “espaços livres de preconceito”.

Legislativo:

– Aprovar o PL 147/2013 que estabelece a Política Municipal de Promoção da Cidadania LGBT e Enfrentamento da Homofobia;
– Desenvolver legislações pertinentes ao tema em especial focado no combate à violência contra a população LGBT+ nos espaços e transporte público.

Judiciário:

– Promover ações de sensibilização para os quadros do sistema judiciário buscando acelerar e garantir investigações e punições contra aqueles que cometem crimes contra a população LGBT;
– Promover campanhas de formação e informação para o tema da LGBTfobia.

• Empresas (Ref.: Fórum de Empresas e Direitos LGBT)

– Comprometer o alto escalão das empresas, presidência e executivos, com políticas que estimulem e garantam o respeito com a promoção dos direitos LGBT+;
– Promover igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBT+ no quadro de Recursos Humanos;
– Promover ambiente respeitoso, seguro e saudável dentro das empresas para as pessoas LGBT+;
– Estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade LGBT+ nas empresas, bem como promover o respeito aos direitos LGBT+ na comunicação e marketing e no planejamento de produtos, serviços e atendimento aos clientes; 
– Promover ações de desenvolvimento profissional de pessoas do segmento LGBT;
– Promover o desenvolvimento econômico e social das pessoas LGBT na cadeia de valor do setor privado;
– Promover e apoiar ações de ONGs e movimento sociais em prol dos direitos LGBT+.

• Sociedade Civil

– Mobilizar atores da sociedade civil para monitorar e divulgar os números das denúncias de casos de LGBTfobia;
– Estimular nas escolas do município (públicas e privadas) o debate e reflexão sobre o bullying à população LGBT+;
– Promover campanhas de garantia dos direitos LGBT+s e combate à LGBTfobia.

 

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