Ficha Limpa se aplica a quem foi punido antes da regra, diz idealizador

Supremo vai decidir forma de aplicação da lei
Leia artigo de Márlon Reis e Luciano Santos

Opinião – Poder 360

O Supremo Tribunal Federal deve concluir ainda nesta 4ª feira o julgamento do Recuso Extraordinário 929670, que trata do prazo de inelegibilidade a ser aplicado aos condenados antes da edição da Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010).

O fato é que não existe direito adquirido a um dado regime de inelegibilidades, nem mesmo a um prazo de duração desse óbice à candidatura.

A Lei da Ficha Limpa introduziu prazos mais longos que as normas por ela revogadas. E não se adquire o direito a estar submetido a certo conjunto de condições jurídicas para a candidatura.

Vejamos o que ocorre com os condenados por abuso de poder político, econômico ou dos meios de comunicação. Segundo o inciso XIV do art. 22 da Lei de Inelegibilidades estes serão submetidos à “sanção” de inelegibilidade e à cassação do registro ou diploma outorgados ao candidato beneficiado. Mas, como sempre, a interpretação literal da lei é a mais inadequada. A inelegibilidade é sempre uma condição jurídica, nunca uma sanção.

As inelegibilidades não possuem natureza penal, devemos insistir. Elas são, como brilhantemente preleciona Dalmo Dallari, condições sem cuja observância não se pode alcançar o status jurídico de candidato.

Pode-se afirmar que aquele condenado por abuso de poder nas eleições está, desde logo, submetido a prazo de inelegibilidade de oito anos, o que independe de qualquer sentença ou acórdão que “imponha” essa restrição eleitoral. Não é o órgão judicial a fonte de tal inelegibilidade, mas o texto expresso da lei. O juiz não impunha uma inelegibilidade por 3 anos; apenas declarava em sua sentença o que estava estipulado na lei em vigor. Se a extensão do prazo mudou em virtude de lei posterior, o novo prazo se aplicará automaticamente.

Sendo objetivo, os que tiveram contra si definida judicialmente uma inelegibilidade por três anos em virtude de abuso de poder estão submetidos agora ao novo prazo de oito anos fixado pela Lei da Ficha Limpa.

Essa matéria foi expressamente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Lei da Ficha Limpa. A nossa Suprema Corte afirmou nem mesmo haver ofensa à coisa julgada em tais hipóteses.

Para que não reste dúvida, pedimos licença para transcrever parte substancial do voto do relator, acolhido pela maioria dos ministros:

“É essa característica continuativa do enquadramento do cidadão na legislação eleitoral, aliás, que também permite concluir pela validade da extensão dos prazos de inelegibilidade, originariamente previstos em 3 (três), 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos, para 8 (oito) anos, nos casos em que os mesmos se encontram em curso ou já se encerraram. Em outras palavras, é de se entender que, mesmo no caso em que o indivíduo já foi atingido pela inelegibilidade de acordo com as hipóteses e prazos anteriormente previstos na Lei Complementar no 64/1990, esses prazos poderão ser estendidos – se ainda em curso – ou mesmo restaurados para que cheguem a 8 (oito) anos, por força da lex nova, desde que não ultrapassem esse prazo” (voto condutor proferido no julgamento das ADCs nº 29 e 30 e da ADI no 4.578)."

Como se vê, a Lei da Ficha Limpa promoveu alteração substancial nos prazos de duração das inelegibilidades. Mais que isso, suas novas disposições se aplicam a todas as hipóteses de inelegibilidade verificadas anteriormente à sua vigência, cujos prazos, mesmo os eventualmente mencionados em decisões judiciais transitadas em julgado, estão agora ampliados por força da vontade do soberano popular convertida em lei.

Márlon Reis tem 45 anos. É advogado especialista em direito eleitoral e partidário. Foi um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa.
Luciano Caparroz Santos, 58 anos, advogado especialista em Direito Eleitoral e cofundador do MCCE-Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral.

Artigo publicado no portal Poder 360
 

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