Polêmico, fechamento da Paulista para carros conquista apoio de moradores

POR RICARDO GALLO – FOLHA DE S. PAULO

Domingo costuma ser dia de passear no shopping para o casal de namorados Daniel Sales, 32, e Stella Lemes, 27, moradores de São Miguel Paulista, no extremo leste paulistano. No último dia 7, mudaram os planos: decidiram visitar a avenida Paulista, aberta para o lazer da população aos domingos. "O paulistano é meio estranho: tem parque aberto, mas o pessoal vem para o lado dos prédios… fiquei impressionado com tanta gente", diz ele, que atua como supervisor de qualidade.

Naquele dia ensolarado, quase sem nuvens, as oito faixas da avenida estavam tomadas por músicos, pessoas andando com cachorros, gente de bicicleta ou por quem só queria andar, caso da contadora Cristiane Rodrigues Correa, 39, que havia saído de Campinas com a família pelo segundo domingo seguido. "Aqui dá para ver essa cultura toda que só São Paulo tem", diz.

Quatro meses após o prefeito Fernando Haddad (PT) ter fechado o acesso para automóveis aos domingos — a primeira vez foi em 18 de outubro —, as coisas vão mais bem do que mal na Paulista, embora ainda ainda haja o que melhorar.

Uma pesquisa inédita do Datafolha revela que o passar do tempo tornou os ventos mais favoráveis para a medida: 61% dos moradores da região defendem a abertura da avenida hoje, enquanto 35% são contra – o percentual é maior que os 45% de aprovação entre a população paulistana, apurados em outubro.

A abertura da avenida também conta com a adesão de quem vive no entorno: 75% dos moradores da região já foram à Paulista aos domingos pelo menos uma vez.

De zero a dez, a decisão de impedir a circulação de carros recebeu nota média 8,2 dos entrevistados, segundo os quais o lazer (52%) é a principal vantagem e o trânsito (38%) local, a maior desvantagem.

Uma curiosidade é que, entre os que já foram alguma vez à avenida aos domingos, 72% aprovam, apoio encabeçado pelos mais jovens (16 a 34 anos). Em oposição, 66% dos que rejeitam a abertura jamais estiveram ali para um passeio dominical.

O levantamento foi feito em 3 de fevereiro e entrevistou 421 moradores que vivem na Paulista e a três quadras da avenida, nos sentidos Jardins e centro. A margem de erro é de cinco pontos percentuais para cima ou para baixo.

PAULISTA ABERTA

61% dos moradores do entorno da avenida aprovam a abertura aos domingos.

Centros culturais e de serviços celebram um aumento expressivo de público, caso do Itaú Cultural e da Casa das Rosas, projetada pelo arquiteto Ramos de Azevedo. De outro lado, restaurantes e cinemas reclamam da queda de frequentadores desde que os carros deixaram de circular. E parte dos moradores se queixa de barulho, sujeira e reflexos problemáticos no trânsito.

O centro cultural Ruth Cardoso, no prédio da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), criou um projeto específico para esse dia da semana, o Domingo na Paulista, que inclui música e atrações culturais. Em duas edições, o projeto reuniu seis mil pessoas, de acordo com Paulo Skaf, presidente da Fiesp e do centro cultural.

Um dos grandes sucessos da avenida não integra o projeto: são os patos amarelos na calçada do prédio empresarial, que fazem parte de uma campanha contra o aumento de impostos e cenário frequente de selfies de transeuntes. "Quando a cidade se abre ao cidadão, ele responde de forma positiva", afirma Skaf.

Símbolo da Paulista, o Masp informou ter notado aumento de 21% aos domingos nos últimos três meses de 2015, em relação à média dos domingos do ano todo. O museu, no entanto, afirma que associar o acréscimo de visitantes ao fechamento da Paulista é especulação e que são muitas as variáveis que trazem público ao local.

Entre os shoppings, o Top Center aponta elevação de 17% no público desde o fechamento da avenida. O Cidade de São Paulo, aberto no ano passado, e o Center 3 não quiseram se manifestar. 

Outro hit da avenida são as bicicletas. A Serttel, que administra o Bike Sampa, serviço de aluguel das bicicletas laranjas do Itaú, aponta crescimento de 59% nas viagens. Foram 46.140 entre agosto (quando a avenida começou a ser aberta de forma experimental) e 25 de janeiro deste ano, contra 28.952 em igual período de 2014/15. Os dados correspondem às 19 estações no entorno da Paulista. A procura fez a empresa manter equipes dedicadas especialmente à avenida aos domingos, para repor bicicletas nas estações rapidamente — usuários reclamam quando não acham bicicletas disponíveis.

Responsável pela operação da ciclofaixa de lazer, a Bradesco Seguros diz que o serviço SOS Bike, que dá auxílio a ciclistas, atendeu 33% mais gente. E que o empréstimo gratuito das bicicletas vermelhas, na esquina da Paulista com a rua da Consolação, subiu 97% em janeiro, na comparação com dezembro.

Mas nem tudo são flores. "[O fechamento] Não beneficiou em nada. Não sei por que não fizeram como no Rio, que fecha uma pista na orla e deixa a outra aberta para os carros. Contemplaria tanto quem quer passear quanto quem precisa se deslocar", diz Pedro Herz, dono da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, um dos símbolos da avenida. "O ponto é compartilhar, não excluir motos, carros, transporte público."

Herz diz que registrou queda dos negócios (não quis estimar quanto) e tem uma tese a respeito: "As pessoas que vêm à avenida estão a lazer, não para comprar, ir ao cinema".

Adhemar Oliveira, que administra o Cinearte, também no Conjunto Nacional, diz que, ao mesmo tempo em que caiu o movimento, aumentou a frequência na Cinesala, cinema de rua em Pinheiros (zona oeste), um indício, argumenta, de que o público frequentador pode estar migrando da Paulista. O Reserva Cultural também diz ter sofrido perdas. Na semana retrasada, o secretário municipal de Cultura, Nabil Bonduki, se reuniu com donos de cinema para tentar encontrar uma solução.

ABERTURA SELETIVA

"A Paulista está abrindo para quem ela já era aberta. Tem ciclovia e ciclofaixa para ciclista, calçada larga para pedestre, e fechando para quem também tem direito de usá-la, como o morador e o comércio", diz Vilma Peramezza, 74, presidente da Associação Paulista Viva.

Mas ela considera também que a discussão sobre a abertura da Paulista ao lazer está contaminada por "ideologia, infrutífera". Os problemas que aponta são, como de hábito, a sujeira na avenida, o grande número de ambulantes e o trânsito no entorno quando a avenida fecha.

Desde o início da medida, os ônibus foram desviados para as paralelas (alameda Santos e rua São Carlos do Pinhal), assim como o trânsito de automóveis e motos. Moradores ou clientes de estabelecimentos tradicionais são autorizados a circular na avenida de carro para entrar e sair dos prédios. Foi o caso do clube Homs, entre a Brigadeiro Luís Antônio e a alameda Joaquim Eugênio de Lima, que recebeu uma faixa exclusiva — o que pôs fim à reclamação dos frequentadores.

Uma das preocupações na ocasião do fechamento eram os hospitais, que, no entanto, não se opuseram. A Pró-Matre e o Hospital Santa Catarina, por exemplo, dizem que a novidade não tem dificultado o acesso às suas dependências.

Peramezza também se queixa da ocupação de bicicletas em todas as faixas, quando a CET orienta os ciclistas a ficar apenas sobre a ciclofaixa e na ciclovia -o que de fato ocorre. Outra reclamação de moradores é o som alto diante dos seus prédios provocado por músicos —falta regulamentar o uso desses espaços.

Sócio e administrador do restaurante Ráscal, na alameda Santos, Angel Testa diz ter tido queda de 5% em janeiro, mas precisa esperar pelos próximos meses para ver se a tendência se confirma. Questionado sobre a possibilidade de o impacto ter relação com a crise econômica, afirmou que a unidade está sofrendo mais que as outras. "Muitos clientes que vinham de carro pelos Jardins têm enfrentado dificuldades. E não temos visto quem anda pela Paulista entrar no nosso restaurante."

A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) afirma não ter constatado piora no trânsito desde que a avenida fechou para o tráfego. O prefeito Fernando Haddad disse acreditar que o impacto inicial tem sido diluído à medida que as pessoas se acostumam com o fato de a avenida estar fechada naquele horário.

Matéria publicada originalmente na Folha de S. Paulo.
 

Compartilhe este artigo