Organização divulga nota de avaliação da regulamentação da Lei de Acesso à Informação no Judiciário

Texto elaborado por integrantes da Rede pela Transparência e Participação Social (Retps) critica vários pontos da resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça

Nota de avaliação da regulamentação da Lei de Acesso à Informação para o Poder Judiciário

No dia 1º de dezembro de 2015 foi aprovado, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o texto de regulamentação da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) para o Poder Judiciário. O texto aprovado foi oficialmente pela Resolução nº 215, de 16 de dezembro do ano passado, assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski. 

A resolução confirma a obrigatoriedade de todos os órgãos do judiciário brasileiro a disponibilizarem informações públicas e a criarem sistemas para que a população possa ter acesso à informação, entre outros procedimentos.

A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como LAI) regulamenta o direito, previsto na Constituição Federal, de qualquer pessoa solicitar e receber de entidades e órgãos públicos, de todos os entes e poderes, informações públicas por eles produzidas ou custodiadas.

Através desta nota técnica, a Rede pela Transparência e Participação Social (RETPS) destaca alguns pontos dentre os 44 artigos da resolução que regulamentou a LAI para o Poder Judiciário. 

Como aspectos positivos, salientamos que no artigo 6º da Resolução, que trata dos sítios eletrônicos do Poder Judiciário, fica garantida a obrigatoriedade de publicar periodicamente as “finalidades e objetivos institucionais e estratégicos, metas, indicadores e resultados alcançados pelo órgão”. Desta forma, os órgãos que integram o Poder Judiciário deverão ser transparentes também no tocante as suas funções institucionais e no resultado do trabalho, garantindo a transparência em seu sentido mais amplo.

Outro ponto positivo está presente no artigo 22º da resolução, que prevê a “Publicidade das Sessões de julgamento”, determinando a sua divulgação ao vivo pela internet, além de estabelecer prazos para a divulgação dos áudios e das pautas e atas das sessões, o que fortalece a transparecia nos processos judiciais. Essa publicidade, já é uma exigência prevista nos artigos 5º, LX e 93, IX, da Constituição, por força da Emenda Constitucional 45 de 2004.

Contudo, são poucos pontos positivos a ressaltar. O artigo 6º, que aborda a transparência ativa por meio dos sítios eletrônicos, apresenta uma grande contradição e incoerência, que nos remete a um erro legislativo. O citado artigo estabelece que, para ter acesso às informações sobre remuneração de servidores, é necessária a identificação do usuário (nome completo e um documento de identificação). A transparência ativa significa livre acesso na internet sem a necessidade de solicitação. Ou seja, a norma equivocadamente subverteu a lógica do que preconiza a LAI: o principio da máxima divulgação.

Quando analisamos os dispositivos referentes à transparência passiva, encontrarmos erros igualmente graves. Ainda que o artigo 8º assegure o acesso à parte não sigilosa de documentos, quando não autorizado o acesso integral, os artigos seguintes apresentam obstáculos à implementação da cultura de transparência.

O artigo 11º, por exemplo, determina como deverá ser a estrutura dos formulários de pedido de informação. Segundo o artigo, os formulários deverão conter “campo para a identificação do solicitante, com nome completo, número de identidade e do CPF e endereço físico ou eletrônico, se pessoa física, ou razão social, dados cadastrais e endereço físico ou eletrônico, se pessoa jurídica, além de especificação da informação requerida”.

A exigência de mais de um documento de identificação pode ser considerada uma violação ao artigo 10 da LAI, que preconiza que os órgãos públicos não podem requisitar dados que inviabilizem o pedido de informação. A identificação do requerente é um das questões mais complexas na aplicação da LAI, uma vez que já foram registrados casos de retaliação e tratamentos inadequados de dados pessoais. Uma vez que a identificação é obrigatória, um documento já seria mais que suficiente para esse fim, como é a prática na maioria dos órgãos e na regulamentação do Executivo Federal.

Outro obstáculo é observado no artigo 12º da resolução, com a ampliação do leque de situações em que os pedidos de informação poderão não ser atendidos. Segundo este artigo “não será atendido os pedidos: insuficientemente claros e sem delimitação temporal, desproporcionais, desarrazoados, que exijam trabalho adicional de análise, que contemplem períodos e que foi descartada e informações protegidas”. Essas situações ultrapassam o previsto na LAI, estabelecendo condicionantes restritivas ao direito de acesso e até mesmo desnecessárias.

O artigo 18º, por sua vez, modifica o sentido dado pela Lei de Acesso à Informação às motivações de recurso. Enquanto no artigo 15 da LAI se interpõe um recurso pelas razões da negativa de acesso, o artigo 18º da resolução do CNJ pretende restringir os pedidos de recursos aos casos em que não se apresenta ou se “fornece” as razões da negativa de acesso.

Ainda analisando os aspectos negativos da resolução, o artigo 25º estabelece um rol de documentos em que há restrição de acesso independente de classificação mais amplo que a própria LAI, impedindo acesso às “legislações específicas” e documentos preparatórios. Não está suficientemente claro que quando a decisão é tomada, o acesso aos documentos preparatórios já não é sigiloso, o que nos remete a outro erro legislativo.

Para completar, consideramos que o artigo 27º da resolução do CNJ – que regulamenta o funcionamento da catalogação de documentos tidos como sigilosos – também contraria a LAI. O artigo coloca a divulgação da lista de documentos sigilosos com referência futura e, diferentemente da Lei de Acesso à Informação, não determina o registro do assunto da informação tipificada como sigilosa, mas apenas de um número de identificação do documento. Isso dificulta o controle social, pois o código de identificação não permite saber o assunto da informação sigilosa, ocultando uma informação básica.

Por fim, reiteramos que a LAI definiu o CNJ como órgão responsável pela sua regulamentação no âmbito do Judiciário. Portanto, era natural e coerente que as solicitações de informação em grau de recurso fossem enviadas ao CNJ. No entanto, o artigo 18º, § 4º, estabelece como instância máxima para recurso a presidência do tribunal. Apenas em relação à desclassificação e reavaliação de informação sigilosa é que haverá a possibilidade de se recorrer da decisão do presidente do tribunal no plenário do CNJ.

Era desejável que a espera de quase quatro anos pela regulamentação da LAI pelo Judiciário pudesse representar um avanço ao direito de acesso à informação. No entanto, a norma representa um retrocesso ao processo de abertura das informações da Justiça, iniciadas em 2009 com a publicação da Resolução do CNJ 102 e da Resolução 151, de 2012, quando a publicação nominal de salários de magistrados e servidores passou a ser obrigatória após a publicação da LAI.

A regulamentação diverge das próprias decisões judiciais do STF e do STJ proferidas em prol da abertura de informações salariais, entre outras decisões favoráveis à transparência e ao direito à informação. A resolução traz indignação e uma nova frustração em relação às funções e atuação do sistema judiciário. A resolução remete, portanto, à velha lógica do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Rede pela Transparência e Participação Social (RETPS)

 

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