Ainda dá tempo de mudar 2030 – Artigo

Cerca de 60% da população de 1 bilhão de pessoas extremamente pobres vivem em apenas cinco países

POR GARY STAHL, representante do Unicef no Brasil   

“O que fizemos de errado? Por que não podemos viver como as outras crianças do mundo?”, pergunta o pequeno Ali, de 9 anos, um dos 1,8 milhão de crianças afetadas pelo conflito do Iêmen. O futuro de Ali e outras crianças que sofrem com pobreza, exclusão e conflitos em todo o mundo começará a ser traçado nesta semana na Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

Líderes de mais de 150 países, incluindo o Brasil, deverão se comprometer nesse evento a adotar a chamada Agenda Pós-2015, considerada uma das mais ambiciosas da história da diplomacia internacional. A partir dela, as nações trabalharão para cumprir 17 compromissos para acabar com a extrema pobreza, resolver a questão ambiental e reduzir as desigualdades e a injustiça até 2030. Em outras palavras, impedir que as projeções mais sombrias se transformem em realidade nos próximos 15 anos.

Mas podemos construir esse 2030 para as novas gerações? A experiência recente mostra que uma agenda global com objetivos e indicadores comuns pode gerar resultados. Em 2000, 188 países e o Brasil concordaram em cumprir oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) para melhorar, até 2015, as condições de vida de pessoas em todo o mundo em comparação a 1990. Hoje, sabemos que parte desse progresso foi alcançado. Um exemplo é o número de pessoas vivendo na extrema pobreza no mundo, que caiu pela metade.

No entanto, ainda vivemos em um mundo extremamente desigual, com problemas sociais e ambientais. Aproximadamente 60% da população de 1 bilhão de pessoas extremamente pobres vivem em apenas cinco países. A escassez de água afeta 40% da população mundial e as projeções apontam para o agravamento da situação, o que afetará especialmente os mais excluídos.

É nesse novo cenário que a mobilização dos ODMs dará lugar, a partir deste mês, à Agenda Pós-2015. Com ela, o mundo se mobilizará para alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) até 2030. São metas que tratam de questões tão diversas quanto importantes para a vida no planeta, como pobreza, desigualdade, meio ambiente, educação inclusiva, consumo e produção, cidades sustentáveis. Diferentemente dos objetivos da virada do milênio, as novas metas integram dimensões econômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento e envolvem tanto os países pobres quanto os ricos.

No centro dessa nova pauta global está o enfrentamento das desigualdades. E não poderia ser diferente. Desigualdades geram instabilidade econômica, minam a coesão social, impedem o desenvolvimento de nações, comunidades e indivíduos. Sem reduzir as desigualdades, não há como avançar com as demais agendas.

As desigualdades são ainda mais implacáveis com as crianças, mais vulneráveis quando a população em geral não possui elementos essenciais como alimentos, água, saneamento e atenção à saúde. São elas as primeiras a morrer quando as necessidades básicas não são atendidas.

Por essa razão, construir um 2030 justo e sustentável significa colocar as crianças no centro da nova agenda. Como queremos que elas sejam os agentes de transformação no futuro se falhamos com elas no presente, negando seus direitos à educação, à saúde e à proteção?

Além disso, não faltam evidências mostrando que investir na infância tem um impacto no desenvolvimento das nações. Veja como exemplo a evolução do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) no Brasil: entre 1991 e 2010, os indicadores relacionados a crianças e adolescentes, comparados aos indicadores da população adulta ou geral, tiveram um grande crescimento e influenciaram dimensões como a educação e a longevidade.

O Brasil tem um papel central nessa nova agenda. Nas últimas décadas, o país deu mostras inegáveis de sua capacidade de reduzir o abismo entre pobres e ricos, de prevenir as mortes de suas crianças pequenas e avançar em seus indicadores de educação. Conseguiu, por exemplo, cumprir integralmente e antes do prazo dois ODMs: reduziu a fome pela metade antes de 2015 em relação aos níveis de 1990 e também a mortalidade infantil em dois terços.

Porém, ainda enfrenta grandes desafios. Entre eles, o de garantir que os avanços na educação e saúde cheguem aos mais excluídos e impedir o assassinato de adolescentes negros, um problema que coloca o país em segundo lugar no ranking mundial de assassinatos de pessoas nessa faixa etária.

A história que será contada a partir deste mês de setembro é a da busca de um novo modelo de desenvolvimento, capaz de garantir os direitos de crianças e adolescentes de hoje e suas famílias sem comprometer o futuro de novas gerações.

Não há dúvidas de que uma agenda ambiciosa trará grandes desafios para os países. O monitoramento das metas e o financiamento das ações estão entre as questões ainda a ser definidas. No entanto, uma coisa é certa: se não formos capazes de cumprir os compromissos da nova agenda global, teremos perdido a oportunidade de mudar a história de 2030. Para o pequeno Ali e todas as crianças do mundo. Sem exceção.

Gary Stahl é representante do Unicef no Brasil 

Matéria publicada originalmente no jornal O Globo.

 

Compartilhe este artigo