Cidades, carros e bicicletas, por Raquel Rolnik

Na próxima quinta-feira (18), estreia no Brasil o documentário "Bikes versus Carros", do diretor sueco Fredrik Gertten. Percorrendo diferentes cidades do mundo –São Paulo, Los Angeles, Copenhague, Toronto, Bogotá, entre outras–, o filme retrata não apenas o confronto de dois modos de circular pelas cidades, mas de duas culturas urbanas: a dos carros e a das bicicletas.

Em cada uma das cidades, a narrativa é conduzida pela experiência de atravessá-las sobre uma bicicleta –mas também no interior de carros–, assim como por depoimentos de ciclistas, motoristas, gestores públicos e urbanistas, sobre um pano de fundo de estatísticas que demonstram o alcance das questões abordadas, para além das histórias individuais dos personagens.

Em uma das cenas do filme, passada em Los Angeles (a Meca dos automóveis), o fechamento de sua mais importante e gigantesca via expressa durante um final de semana transforma a cidade em cenário de uma espécie de filme de ficção. Prevendo um inevitável colapso no sistema de circulação, dada a total dependência do carro e suas infraestruturas, as autoridades apelam para que ninguém saia de casa.

A mesma Los Angeles –pasmem!– já teve, no início do século passado, um dos melhores sistemas de transporte coletivo do mundo: uma vasta rede de bondes que foram literalmente jogados na baía de Santa Mônica e se transformaram em uma enorme barreira de arrecifes artificiais. A mesma Los Angeles já contou com uma rede de ciclovias, hoje também abandonada. Fica claro como ali foi necessário destruir os sistemas de mobilidade coletivos e não motorizados para implementar a total dependência do automóvel.

Hoje, LA tem 70% de sua área ocupada por vias e estacionamentos para carros. Apenas 0,8% das pessoas utilizam a bicicleta como meio de transporte. No outro extremo, temos Copenhague, com seus 1.000 km de ciclovias e 40% da população se locomovendo de bicicleta, com incentivos públicos para que este número ainda aumente. Lá, a câmera do cineasta sueco registra as queixas e incômodos de um motorista de táxi, em posição minoritária na capital das bicicletas.

Em Los Angeles, São Paulo, Bogotá ou Toronto, o documentário mostra a luta dos cicloativistas por mais segurança e mais infraestrutura para as bicicletas. Mostra também a força do lobby do "complexo automobilístico", que envolve desde a indústria petroleira até a cadeia produtiva dos automóveis na definição de políticas pró-carro. O filme mostra que na Alemanha, por exemplo, o governo do país vetou uma proposta da União Europeia para a redução da emissão de gases poluentes, o que prejudicaria as montadoras alemãs.

Ao final do filme, inevitavelmente, somos levados a pensar: carros ou bicicletas? E aí é que a questão não fecha, ao menos no contexto das metrópoles brasileiras. Embora eu concorde com os argumentos pró-bicicleta, é impossível imaginar que possamos basear todo o nosso sistema de mobilidade nesse modal.

No Brasil, a luta por mais infraestrutura cicloviária precisa andar junto com a luta, fundamental, pela constituição de uma rede de transporte público de massa de qualidade, confortável, eficiente e acessível para todos, em que nem a oferta nem a tarifa possam impedir possibilidades ilimitadas de circulação na cidade para todos. 

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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