Responsabilidades comuns, porém diferenciadas: como chegamos a este ponto no Brasil?

Por Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis | Foto: Matheus Câmara da Silva (Unsplash)

 

O debate desta segunda-feira e a entrevista no Jornal Nacional só fizeram confirmar o baixo nível do atual Presidente da República, incapaz de lidar com verdades e adversidades. Até podemos estar próximos da superação nas urnas de um governo primário e tosco, que gerou muito sofrimento para a maioria da população brasileira e vergonha internacional, mas será que aprendemos como sociedade?

 

Tamanha degradação só foi possível por uma combinação de fatores que envolveram, simultaneamente, alinhamento e omissão dos poderes econômico e político, da justiça, da mídia e de alguns segmentos da sociedade.

 

Portanto, é menos o caso de bater na tecla da absurda figura do Presidente, que passará, mas sim  de reconhecer e identificar as fragilidades de nossa democracia, que permanecerá. Somente entendendo o que levou-nos a este desvario e excrescência poderemos evitar futuros desenganos.

 

Bolsonaro ofende os oponentes, desdenha dos dramas da população, é violento com as mulheres, desrespeita presidentes de países vizinhos e utiliza dados mentirosos, preocupado somente em criar fatos para suas redes sociais, num claro desrespeito à sociedade como um todo. Só está pensando na sua bolha e em como gerar conteúdos mentirosos para suas fake news.

 

Bolsonaro ofende a razão e a emoção, fazendo-nos questionar: o que é ser humano? Não é possível que levamos duzentos mil anos de evolução dos sapiens para chegar nisso!

 

Mas, se chegamos a este ponto de degradação no Brasil, foi devido a uma combinação de fatores e desrespeitos multidisciplinares. É natural que uma pessoa se iluda com algumas ideias ou propostas, mas é inadmissível que um grupo de pessoas responsáveis assim o façam. A inteligência coletiva tende à ponderação e ao realinhamento de tomadas de decisão. Não foi o que ocorreu com as instituições brasileiras nos últimos anos que, coniventes, contribuíram para chegarmos a este lamentável momento, o que denota os grandes desafios a serem enfrentados na busca de um país mais estável, inclusivo e justo.

 

Bolsonaro evidenciou as fragilidades da democracia. No afã de se proteger a qualquer custo, explorou, sem pudor, todas as brechas que existiam, mesmo que imorais. Ao eleger o PGR e o presidente da Câmara blindou-se, ficando liberado para cometer as atrocidades que cometeu na pandemia e, entre outras coisas, atacar as instituições. Com duas tacadas acabou com os contrapesos que dão lastro à democracia: é necessário repensar estes processos.

 

O judiciário teve papel central nesse esgarçamento institucional, especialmente a partir de seu apoio cego à operação Lava Jato. O fato de ter havido uma parcial reparação na justiça não esconde a fragilidade das decisões que apoiaram a operação. Como o STF não foi capaz de perceber o que ocorria se possuía todas as ferramentas para tal? Como podemos nos precaver de futuros grupos que queiram conturbar o país? Que políticas de precaução, desde a eleição de novos membros para o STF, até a análise imparcial dos fatos, podem ser adotadas para que a história não se repita?

 

O Legislativo, há muito dominado por representantes de grandes grupos econômicos, privilegiou a defesa de interesses privados em detrimento do público. As emendas de relator só confirmam a banca de negócios em que se transformou a casa de representantes do povo. Urge uma mudança que começa pelo voto, mas que depende também das lideranças e de negociações republicanas no interesse da sociedade.

 

A Procuradoria Geral da República, um importante contrapeso no jogo democratico, reduziu-se a uma defensora dos interesses do Presidente, relegando a sociedade a segundo plano. Quem deve eleger o/a PGR e com que critérios, para que possa exercer imparcialmente suas funções?

 

As Forças Armadas, ao pressionarem o STF por meio do general Villas Boas, abandonaram sua posição constitucional de neutralidade. E ao ocuparem uma enorme quantidade de cargos no executivo confundem-se com a política, o que não contribui para a democracia.

 

O fato da grande imprensa ter se reposicionado diante de um projeto tão selvagem, não esconde as vistas grossas que fizeram a uma figura que já era conhecida por seus desvarios. Não atuaram de maneira investigativa e não foram suficientemente críticos para identificar o turbilhão que se formava.

 

Não menos importante é o contínuo processo de desvalorização da política na sociedade, o que leva a um distanciamento e superficialidade nas análises. A representação política é dominada, direta ou indiretamente, pelos interesses da classe social mais rica e afasta a grande maioria da população. A política é exercida por poucos e para poucos.

 

Daí a importância do estímulo à participação da sociedade, com a criação de espaços institucionais. A política deve, cada vez mais, fazer parte da formação das pessoas, sendo valorizada e não demonizada. É excelente quando jovens se dispõe a participar, independente da linha política. O estímulo à participação é o melhor antídoto contra aventureiros e oportunistas, que se aproveitam do baixo nível de formação política para manipular e mentir, utilizando fake news para defender seus interesses.

 

Preferências à parte, Ciro, D’Ávila, Lula, Soraia e Tebet, atuaram no campo do debate democrático, mantendo o respeito. Bolsonaro foi dissonante, agressivo, violento e sem compostura. Um país com a qualidade do povo brasileiro não merece tê-lo como presidente. As alternativas estão postas, mas não nos iludamos, muito temos a avançar para evitar que experiências como essa se repitam.

 

Para tanto, as instituições têm papel chave e não podem perder a oportunidade de aprender com a lição. Transformações e aprimoramentos são necessários. Até agora não houve mudança estruturante em nenhuma das instituições. Estamos portanto sujeitos a novos soluços institucionais. Uma eventual superação deste momento com as eleições presidenciais e legislativas deve ser encarado somente como o início de um processo do necessário aperfeiçoamento de nossas instituições.

 

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.

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