UM CASO DE AMOR QUE NÃO PODE ESQUENTAR

Por Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis | Foto: Nayani Teixeira (Unsplash)

 

É impossível não se maravilhar ao conhecê-la. A volúpia da Amazônia emociona a todos que dela se aproximam. Aromas, sons, sabores e paisagens. Indígenas, ribeirinhos e quilombolas formam um todo de difícil separação: são a Amazônia. Todos os sentidos afloram e, de repente, ficamos do nosso real tamanho frente a essa maravilha biodiversa: pequenos e frágeis.

É difícil entender a dimensão e a complexidade dos problemas e territórios a distância. Poder vivenciar e ouvir a perspectiva dos povos da floresta, a partir de onde vivem, foi a melhor experiência proporcionada pelo Fórum Social Pan-Amazonico (Fospa), realizado em Belém (PA) entre 28 e 31 de julho.

A Amazônia ocupa 50% do território brasileiro e conta com 13% de sua população (29,6 milhões em 2021). Distantes deste território, a maioria dos brasileiros têm dificuldade para entender as prioridades da região e como a impacta com seus hábitos de consumo. Ao mesmo tempo, boa parte dos políticos desdenha da deterioração da maior riqueza do país.

O desmatamento dobrou nos últimos dois anos e a Amazônia se tornou um espaço violento, em que o crime organizado se estabeleceu no garimpo, madeira, gado e soja. No Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC-BR), o bioma amazônico é o que apresenta a menor média: das 10 piores colocadas entre as 5.570 cidades brasileiras, 9 estão na Amazônia.

São Félix do Xingu, com 130 mil habitantes, é a que mais emite gases de efeito estufa no país, fruto do enorme rebanho bovino e do desmatamento em seu território. São Paulo, com 12 milhões de habitantes, é a quarta colocada. Santana do Araguaia, com 75 mil habitantes no interior do Pará, é a pior colocada no IDSC-BR, com 13 dos 17 ODS, classificados na cor vermelha. Ou seja, com grandes desafios a alcançar. Nela, 19% das casas não têm luz elétrica.

Estamos perdendo a Amazônia para o comércio de minérios, pesca, soja, carne e madeira, em sua maioria ilegais. O ciclo de produção e consumo de produtos da floresta ainda carece de muita fiscalização, aumentando a responsabilidade dos consumidores (de todas as regiões do país e, inclusive, do exterior) sobre o futuro da região. É insanidade desperdiçar uma das maiores riquezas do planeta com barganhas mercantis, quando essa região abriga uma biodiversidade, florestas e conhecimento ancestral que são importantes alternativas para a salvação da humanidade.

Equívoco estruturante é o Brasil, um dos países com maior riqueza natural do planeta, ter se tornado uma grande fazenda, e o governo, juntamente com alguns setores econômicos, ainda se vangloria disso. Como se fosse uma virtude, não percebem o desperdício de não agregar valor aos produtos e ainda contaminar o solo e as águas com agrotóxicos.

Diante de tal descalabro, muitos no Fospa defenderam a decretação de emergência climática na Amazônia. Isto porque estamos chegando ao ponto de não retorno, quando a absorção é menor que a emissão de CO2. Para tanto, a proposta é parar de consumir produtos amazônicos até que todos possam ser rastreados e legalizados. A ideia é combater a ilegalidade que grassa solta e tem estímulo do governo federal.

As recomendações passam também por reduzir o desmatamento a zero e não somente dar fim ao desmatamento líquido, via compensação; mas avançar na demarcação de terras indígenas e obedecer a convenção 169 da OIT, que reconhece o direito dos povos originários à terra e aos recursos naturais, assim como à definição de suas prioridades para o desenvolvimento.

O segredo de uma boa relação entre a população não moradora e a Amazônia passa pela criação de um pacto de não agressão, pois somos mais frágeis e precisamos mais dela do que ela de nós. Não podemos aquecer o planeta em 1,5 grau, e para isso basta seguirmos a receita das relações exitosas: respeito, compreensão, proteção e independência.

Uma Amazônia preservada absorve carbono, produz chuva e reduz a temperatura do planeta. Hoje a Amazônia está virando um centro de comércio de commodities, tornando-se, com isso, um acelerador da mudança climática, em vez de um redutor. Nesse sentido, os países que condenam o desmatamento devem também evitar o consumo de produtos da Amazônia não rastreados. A soja, a carne e a madeira são comprados por países do Norte global, que se colocam como protetores da Amazônia, mas são, ao mesmo tempo, seus algozes.

T odos os sinais conduzem à necessidade de preservarmos a maior floresta tropical do planeta, dada sua importância estratégica para a biodiversidade e manutenção das reservas de carbono. Estamos na última década para produzir ações que revertam esse quadro. A importância dos próximos governos, federal e estaduais, será chave para a reversão do quadro deplorável que vivemos nos dias de hoje.

Evitar o aquecimento global é o desafio que temos até o final desta década. Nosso afeto pela Amazônia será tanto maior quanto menos contribuirmos para que ela aqueça o planeta. Ao contrário do que é usual nas relações, nossa aproximação deve ser para gerar mais frio e não calor.

Jorge Abrahão
Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo.

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