Museu do Ipiranga, fechado às pressas há 4 anos, ainda nem iniciou reforma

ROGÉRIO GENTILE – FOLHA DE S. PAULO

Interditado às pressas quatro anos atrás, quando um laudo apontou risco iminente de desabamento do forro, o Museu do Ipiranga ainda nem começou a ser reformado.

A Universidade de São Paulo, que administra o museu, também não contratou uma empresa para a realização das obras e tampouco conseguiu definir o projeto de restauração e modernização.

Mesmo assim, afirma que a previsão de reabertura do Ipiranga, cujo nome oficial é Museu Paulista, está mantida: 2022, durante as comemorações dos 200 anos da independência do Brasil.

O gasto total estimado até a reabertura é de R$ 111 milhões, a serem pagos por recursos públicos e privados.

De agosto de 2013 para cá, quando o edifício foi fechado, houve basicamente serviços emergenciais, como o escoramento do forro, e a realização de estudos de diagnóstico para a verificação completa dos problemas –esses ainda não finalizados.

Também foi feita a transferência para outras instalações de uma parte do acervo da instituição, formado por mais de 450 mil unidades, entre objetos, livros, iconografia e documentação arquivística.
 

PROFESSORES

Cerca de um ano após a interdição, a USP convidou o arquiteto Nestor Goulart dos Reis Filho, ex-diretor da Faculdade de Arquitetura de Urbanismo (FAU-USP), para preparar um projeto de revitalização do museu.

Goulart foi o 1º ex-aluno da FAU a obter por concurso uma cátedra na instituição e é considerado como uma das maiores autoridades do país em história da arquitetura e preservação do patrimônio.

Feito em parceria com os também professores aposentados da FAU, Lúcio Gomes Machado e Paulo Bruna, e com o arquiteto Luis Magnani, especializado em restauração, o trabalho foi apresentado e aprovado pelo Conselho Deliberativo do Museu, em julho de 2015.

"Desde então nunca mais tive notícia", afirma o arquiteto Goulart, de 86 anos.

ACESSIBILIDADE

O projeto previa, além da restauração e da recuperação estrutural do museu, a melhoria da acessibilidade. A entrada do público passaria a ocorrer pelo subsolo, no nível do jardim frontal.

A proposta também definia a expansão do museu pelo subsolo, que ganharia, por exemplo, um auditório com 380 lugares e salas de aula.

Seria também construído um novo edifício para laboratórios e reserva técnica em terreno da prefeitura lindeiro ao parque da Independência, de modo a possibilitar que o edifício projetado pelo italiano Tommaso Bezzi passasse a servir exclusivamente para as exposições.

Um túnel de acesso faria a ligação entre os prédios.

Sem dar nenhuma explicação ao grupo, no entanto, a USP engavetou o trabalho e agora, nas festividades do Sete de Setembro, vai lançar um concurso público para escolher um projeto de reforma.

"É uma pena que um esforço de cerca de 2.500 horas de trabalho, feito por quatro arquitetos especializados, com auxílio de 20 consultores, seja desperdiçado", diz o arquiteto Lúcio Gomes Machado.

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Crise passo a passo

2.ago.13 – Laudo aponta risco iminente de desabamento de dois forros; o edifício é interditado no dia seguinte

14.ago.13 – Transferência de acervos de pequeno e médio porte e início de trabalhos de proteção dos de grande porte

14.jul.15 – Conselho Deliberativo aprova conceito e diretrizes do projeto de restauração e modernização apresentado por professores da FAU

29.nov.16 – Início dos trabalhos de diagnóstico estrutural completo do Edifício-Monumento

8.fev.17 – Início da transferência do acervo da biblioteca para o imóvel que a abrigará no período das obras

3.abr.17 – Reabertura da biblioteca do Museu do Ipiranga em imóvel da rua Bom Pastor, na região do Ipiranga

22.jun.17 – Reabertura do serviço de documentação histórica e iconografia, também em outro endereço

30.ago.17 – Museu anuncia concurso para obra arquitetônico e de restauro, apesar de já ter aprovado projeto

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RISCO DE CAIR

O Edifício-Monumento foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1895 como Museu de História Natural. Por falta de verbas, o projeto de Bezzi foi reduzido, tendo sido cortadas as duas alas laterais frontais.

A partir dos anos 30, foram feitas escavações no porão do edifício, fragilizando as fundações de pedra e fechando a ventilação natural.

"O prédio tem graves problemas estruturais. Corria o risco de cair", diz Goulart.

Alicerces foram seccionados em 34 pontos, provocando o aparecimento de fissuras na parte mais alta e trincas nos arcos das galerias do térreo e do primeiro andar.

Além disso, o peso atual da biblioteca e de áreas de reserva técnica compromete a estabilidade do edifício. Há danos graves nos ornatos e no revestimento das fachadas.

No final de 2016, o Condephaat, órgão responsável pelo patrimônio histórico no Estado de São Paulo, recomendou ao museu "a adoção rápida de medidas para evitar o agravamento dos danos".

O concurso para a escolha do profissional que fará o projeto de restauro deverá ser finalizado apenas em meados de dezembro. O trabalho deverá ser entregue 12 meses depois. Só, então, a reforma poderá começar, de fato.

OUTRO LADO

Solange Ferraz de Lima, diretora do Museu Paulista, da USP, diz que diversas razões explicam a demora para o início do restauro do prédio. "A restauração e modernização de um edifício que abriga um museu de história depende de uma complexa logística."

O museu do Ipiranga, informa a diretora, abriga e preserva cerca de 450 mil itens de acervo, entre objetos como mobiliário, indumentária, louças, armas, moedas, pinturas, gravuras, desenhos, fotografias e livros.

"A primeira providência foi buscar espaços que pudessem abrigar os acervos e as equipes para garantir duas ações: a continuidade das atividades de pesquisa e de ensino e esvaziar o edifício para o diagnóstico e obras de restauro e modernização."

Em 2014, diz, o museu se dedicou a buscar imóveis aptos a receber equipes e acervos. "Fizemos estudos sobre quais seriam as opções mais econômicas e seguras."

Solange Lima diz que os seis imóveis tiveram que sofrer pequenas adaptações e serem mobiliados com armários e equipamentos especiais para reservas técnicas.

"A preparação dos imóveis e o mobiliário tomaram dois anos, até fins de 2015."

A diretora diz que em 2016 foi dado início à transferência das equipes para os primeiros imóveis, destinados às atividades educativas e salas de professores e reuniões.
"Paralelamente, também foi contratado um diagnóstico estrutural completo", diz.

Sobre a não utilização do projeto dos professores da USP, a diretora afirma que o estudo preliminar elaborado pelo escritório abrangia tanto trabalhos no Edifício-Monumento como a construção de um edifício anexo.

"Neste momento, o objeto da intervenção será exclusivamente com a restauração e modernização do edifício."

A diretora defende a opção pelo concurso. "São oportunidades para avanço no debate, na pesquisa e na prática da arquitetura e engenharia, permitindo a emergência de novos conceitos e soluções." 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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