Sumiço de nascente pode embargar megacondomínio ao lado da Billings

EDUARDO GERAQUE – FOLHA DE S. PAULO

Às margens da represa Billings, na zona sul de São Paulo, um megaempreendimento alvo de intensa polêmica para sair do papel agora corre o risco de ser paralisado.

Trata-se da construção de prédios do Minha Casa Minha Vida na área chamada de parque dos Búfalos (zona sul), criada na gestão Gilberto Kassab (PSD) e alterada depois por Fernando Haddad (PT) para receber as moradias.

Nas últimos meses, moradores e peritos do Ministério Público detectaram sérios danos ambientais, como o sumiço de nascentes na região, o que levou a Promotoria a pedir o embargo das obras para evitar maiores danos ao abastecimento da Billings.

O problema para eles é que o empreendimento está praticamente pronto. São 193 prédios que irão abrigar cerca de 15 mil pessoas do lado de um dos principais mananciais da Grande São Paulo.

O projeto vai ocupar 280 mil m² de uma área de 830 mil m² destinada ao parque.

Metade das pequenas torres, de cinco andares cada, está erguida. A terraplenagem está 100% concluída. A entrega das chaves deve ocorrer nas próximas semanas, se sair a licença final da Cetesb. O órgão ambiental do governo do Estado informa que fez vistorias no local este ano e que nenhum dano ambiental às nascentes, segundo os técnicos do órgão, foi detectado.

"O ponto de análise [da água] que existia na área do parque sumiu. As nascentes estão assoreadas", diz a bióloga Cibele Gomes Leite, que participa de um projeto de monitoramento da qualidade da represa. "Nasci aqui e estou vendo tudo isso mudar."
 

À beira da Billings, em um sítio improvisado, vive há quase 30 anos José de Oliveira Neto, 54, o Zequinha. Nascido na Bahia, ele sobrevive com ajuda do Bolsa Família e da venda de algumas bananas e outros vegetais que cultiva no terreno íngreme.

"Por mim, essa obra nunca teria saído. Mas quem sou eu para conseguir isso? Está tudo mudando, tiraram todo o verde que havia lá em cima."

Segundo o sitiante, a nascente que passa pela sua área ainda está com água. "Mas os pássaros, como as corujas buraqueiras, foram embora daqui." A situação dos pássaros é outro problema levantado pelo estudo da Promotoria.

Segundo esse documento, a única forma de evitar que as nascentes ligadas à Billings não sequem seria construir menos prédios do que os previstos no projeto inicial.

"O que queremos é que tudo seja bem feito. Que as compensações ambientais funcionem e o parque programado para a região seja construído", diz a bióloga Cibele.

A Justiça não acatou o pedido de liminar para barrar a obra, mas a ação segue. O objetivo jurídico é reverter os eventuais danos ambientais.

NOVA DEMANDA

Apesar da iniciativa da Promotoria, outros grupos locais são favoráveis ao empreendimento, como comerciantes que aguardam a demanda dos novos vizinhos. Na região do Jardim Apurá, é visível o avanço de farmácias, padarias e restaurantes.

"O movimento do comércio até vai crescer, mas, se tivesse mais infraestrutura sendo construída, pessoas de outras regiões frequentariam o local, dando ainda mais movimento", diz Armando Santos, dono de uma loja de moda feminina, que diz estar preocupado com o projeto.

Segundo ele, apesar da expectativa de alguns comerciantes, existe o temor de que a região sofra ainda mais com a precarização do local.

"Sabemos que o resultado de um monte de pessoas em um lugar sem dar as condições mínimas de educação, saúde, lazer e segurança pode gerar um bairro perigoso e com uma forte desvalorização."

NORMAS CUMPRIDAS

Segundo a Cetesb, a agência ambiental do governo do Estado de São Paulo, todo o licenciamento do megacondomínio foi feito dentro das normas. O órgão diz que técnicos vistoriaram o local neste ano e nenhuma irregularidade foi detectada.

Ponto levantado pelo Ministério Público, o fato de ter ocorrido dispensa do EIA/Rima (estudo e relatório de impacto ambiental) é minimizado pelo órgão ligado à gestão Geraldo Alckmin (PSDB).

"Estudos mais complexos, como o EIA/Rima, são normalmente solicitados para obras como rodovias, ferrovias, reservatórios de água, indústrias ou outros de maior impacto ambiental", informa a nota da Cetesb.

Segundo o órgão, o RAP (relatório ambiental preliminar, documento exigido no caso do parque dos Búfalos) é tão legítimo quanto o EIA/Rima no subsídio da avaliação de impactos ambientais, mesmo se tratando de uma área de manancial.

Gilberto Natalini, secretário de ambiente da gestão de João Doria (PSDB) e um grande crítico ao empreendimento na gestão passada, quando era vereador, diz que não adianta discutir o passado.

"Nós estamos trabalhando no projeto do parque. Temos R$ 3 milhões para fazer o projeto básico [recurso obtido via verba parlamentar, após pressão de ambientalistas locais], que está sendo estudado, e para cercar toda a área. E isso será feito nos próximos meses."

Não existem recursos disponíveis para a implantação do parque. O distrito de Cidade Ademar, onde está a obra, tem a pior relação de metro quadrado de área verde por habitante da capital paulista.

Matéria publlicada na Folha de S. Paulo.
 

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