Promotoria deve ser entrave em plano de Doria para as marginais

RODRIGO RUSSO – FOLHA DE S. PAULO

O Ministério Público de São Paulo deve ser um entrave para os planos do prefeito eleito João Doria (PSDB) de aumentar as velocidades nas marginais Pinheiros e Tietê nos primeiros dias de sua gestão –uma de suas principais promessas eleitorais.

O promotor César Martins, responsável por inquérito civil dedicado ao tema, vê risco na mudança brusca proposta pelo tucano em início de mandato e diz que irá procurá-lo em busca de um acordo –sob pena de ações civis públicas pelo descumprimento de recomendações.

Segundo Martins, "é preciso ser cauteloso", e a implementação de velocidades máximas mais altas "não pode ser excessivamente célere, como foi feito ao reduzi-las pela administração atual".

"Certamente será preciso fazer um acordo sobre a ampliação de velocidade. Não precisa ser feita de ponta a ponta de uma vez só. E é preciso avaliar onde o limite precisa ser menor", afirmou Martins em entrevista à Folha.

Doria anunciou a ampliação da velocidade de 70 km/h para 90 km/h nas pistas expressas, de 60 km/h para 70 km/h nas centrais e, nas locais, tem avaliado variações após ter prometido a mudança de 50 km/h para 60 km/h.

Neste caso, passou a prever a manutenção de 50 km/h na faixa direita, elevando para 60 km/h nas demais faixas das pistas locais –solução controversa entre técnicos. A mudança já valeria nas primeiras semanas de janeiro.

O promotor diz que um dos questionamentos à redução das velocidades pela gestão Fernando Haddad (PT) foi ter feito isso de forma súbita, com base só em estudos acadêmicos e resultados de programas similares no exterior.

Para celebrar um possível acordo com Doria, ele afirma aguarda a manifestação de peritos de engenharia de trânsito. "Não adianta nada o prefeito retomar o limite de 90 km/h se os dados mostrarem que há uma velocidade intermediária mais segura."

Além de analisar a questão das marginais, a Promotoria tem outros cinco inquéritos relacionados a limites de velocidade em outras vias, instaurados com base em reclamações dirigidas ao órgão.

Será examinada também a adequação das atuais velocidades máximas nas regiões da Radial Leste, da 23 de Maio (zona sul), da avenida Prestes Maia, da avenida Pacaembu e da avenida Paulista (centro).

"Vamos examinar cada região de forma separada. Se entendermos que os limites atuais estão adequados e contribuem de fato para a segurança no trânsito, arquivaremos os inquéritos. Se houver necessidade de mudança, faremos acordos com a administração municipal", diz.

Caso a gestão Doria não se disponha a celebrar tais compromissos, ela estará sujeita a ações civis públicas.

Estatísticas indicam significativa queda das mortes em acidentes nas marginais após a redução de velocidade.

Um ano depois, a soma de acidentes fatais nas duas vias caiu pela metade. De julho de 2014 a junho de 2015, foram 64 acidentes com mortes, contra 31 ocorrências do tipo nos 12 meses seguintes.

Por tal razão, Doria tem sido criticado por especialistas e pressionado por entidades que trabalham com a gestão Geraldo Alckmin (PSDB), seu principal cabo eleitoral.

MULTAS

Além de desejar um acordo com a futura gestão de João Doria (PSDB) na questão do aumento de velocidade das marginais, o Ministério Público também pretende pedir o cancelamento e o ressarcimento das multas aplicadas nessas vias durante a vigência dos limites mais baixos, implementados sob Fernando Haddad (PT).

O pedido deve ser feito na ação civil pública que a OAB-SP (seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil) moveu no ano passado questionando a medida adotada pela prefeitura nas vias.

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo afirmou que não se manifestará sobre o pedido anunciado pelo Ministério Público.

Atualmente, tal processo aguarda decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo para definir se a competência nesse caso é da Justiça estadual ou da federal.

"Tão logo isso ocorra, vamos nos manifestar pedindo a anulação das multas, a retirada dos pontos nas carteiras de habilitação e a devolução do dinheiro arrecadado", afirma o promotor César Martins, da área de habitação e urbanismo.

Na avaliação de Martins, a OAB-SP estava correta em seu pedido por maior debate e consulta à população antes que a prefeitura decidisse reduzir os limites de velocidade.

Em julho de 2015, Haddad diminuiu os limites de velocidade de 90 km/h para 70 km/h nas vias expressas das marginais Tietê e Pinheiros, e de 70 km/h para 50 km/h nas pistas locais. As faixas centrais tiveram velocidade máxima reduzida de 70 km/h para 60 km/h.

Passado mais de um ano da adoção do programa nas marginais, no entanto, agora a própria Comissão de Direito Viário da OAB-SP condena a possível ampliação dos limites de velocidade e reconhece que a medida de Haddad contribuiu para reduzir o total de acidentes.

Para o presidente da seccional paulista da OAB, Marcos da Costa, todavia, isso não é motivo para recorrer à Justiça contra a gestão do tucano, pois o aumento foi amplamente discutido com a população durante a campanha eleitoral.

No processo que moveu no ano passado, a OAB chamou de "suicidas" os pedestres mortos nas vias.

"Não é possível que milhões de paulistanos e paulistas sejam responsabilizados pela morte de pedestres irresponsáveis que desafiam o direito e manifestam o desejo de perder a vida voluntariamente. O direito lamenta o suicídio, mas não tem como puni-lo", afirma a peça contra Haddad.

À época, o prefeito disse "lamentar" o episódio. "Como é que um advogado assina uma declaração dessa? Então eu estou lamentando este episódio."

Apesar de a direção da OAB-SP descartar um novo processo, o presidente da Comissão de Direito Viário da entidade, Maurício Januzzi, um dos autores da ação contra Haddad, não descarta ir à Justiça para questionar Doria de outras maneiras.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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