Engavetada sob Haddad, ação para pedestres será retomará por Doria

RODRIGO RUSSO – FOLHA DE S. PAULO

Sérgio Avelleda, futuro secretário de Transportes e Mobilidade da gestão João Doria (PSDB), já tomou uma decisão: a cidade de São Paulo voltará a ter um programa de prioridade ao pedestre.

Implementada no mandato de Gilberto Kassab (PSD) com o nome de "Programa de Proteção ao Pedestre", a iniciativa de educação e fiscalização contava com uma equipe de orientadores de travessia da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) -popularmente conhecidos como "mãozinhas", graças às placas no formato de mão espalmada que utilizavam.

A campanha servia tanto para sensibilizar os motoristas a respeitar os pedestres quanto para recomendar que estes estendessem um braço à frente do corpo antes de atravessar, tal como se faz ao pedir que um ônibus pare.

Apesar de bem-sucedido no objetivo de reduzir as mortes de pedestres no trânsito, o programa foi descontinuado pela gestão Fernando Haddad (PT) por seu êxito ser associado ao prefeito anterior. Sua gestão investiu na redução de velocidades dos veículos e na criação de faixas transversais, inspiradas no modelo de Tóquio.

"Ainda não sabemos se os 'mãozinhas' voltarão naqueles termos, mas os princípios do programa serão resgatados", disse à Folha o futuro secretário, após a cerimônia em que foi apresentado como titular do cargo, na manhã desta quinta-feira (10).

Visivelmente emocionado, o ex-presidente do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) afirmou em seu discurso que vai privilegiar a mobilidade ativa e melhorar a vida dos pedestres. Avelleda ainda destacou que o valor fundamental do trânsito é a vida, e prometeu investir na sensibilização dos motoristas para que mortes não sejam toleradas.

No primeiro semestre deste ano, São Paulo registrou 476 mortes em razão de acidentes de trânsito, conforme dados do Infosiga (sistema estadual de informações de acidentes), uma queda de 21% na comparação com igual período de 2015.

Dentre esses mortos, pedestres continuam sendo o grupo mais vulnerável: foram 182 mortes de pessoas a pé (38%), diante de 155 de motociclistas (33%).

"Não temos calçadas nem travessias decentes, então ficamos sem qualquer lugar adequado ", lamenta Élio Camargo, 73, favorável a um programa de priorização dos pedestres, principalmente para combater os atropelamentos.

Morador da zona oeste, o consultor conta que quase foi atropelado ao caminhar no Butantã e que não costuma fazer sinal com as mãos quando está na faixa de pedestres. "Se avanço e vejo que os motoristas continuam passando, apelo e mostro aquilo que deveriam respeitar. Tem uma travessa da Francisco Morato [avenida da mesma região] em que isso sempre acontece."

CALÇADAS

Durante sua apresentação, o futuro secretário prometeu ainda trabalhar em conjunto com o vice-prefeito Bruno Covas, que acumulará a Secretaria das Prefeituras Regionais (atuais subprefeituras), para aprimorar a condição das calçadas, outro ponto muito criticado sob Haddad. Até o ano passado, o prefeito havia implementado somente 29% dos 850 mil m² de calçadas acessíveis que prometera entregar.

As obras foram aceleradas e o objetivo foi superado neste último ano de seu mandato: segundo o site do Programa de Metas da prefeitura paulistana, 1.032.621 m² de passeios públicos foram tornados acessíveis na cidade.

CAUTELA

Especialistas ouvidos pela Folha celebraram a decisão de retomar políticas em prol do pedestre na cidade de São Paulo, mas se dividem quanto ao possível resgate de ações com os "mãozinhas".

Gabriela Callejas e Rafaella Basile, da ONG Cidade Ativa, que discute planejamento urbano, avaliam que essa é "uma necessidade em uma cidade em que cerca de 65% da população se desloca a pé, exclusivamente ou até uma estação de transporte coletivo".

Para elas, contudo, "a retomada de agentes 'mãozinhas' pela cidade vai apenas reforçar o caráter de 'educação' do pedestre como solução para caminhar. Um programa de prioridade deve fazer com que pessoas deixem de arriscar suas vidas para se deslocar a pé, não domesticá-las para que se contentem e respeitem a infraestrutura que está posta".

O modelo que Callejas e Basile defendem inclui alterações legislativas e no desenho da cidade. "Isso significa redimensionar as ruas, alargar calçadas e esquinas, mudar tempos semafóricos, aumentar a quantidade de travessias e qualificar passagens, escadarias e outros espaços que em geral são negligenciados por programas nesta área."

Já Luiz Carlos Mantovani Néspoli, que participou da implantação do programa na gestão Kassab e hoje é superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), defende a presença dos agentes educadores nas travessias.

"Cruzamentos já são confusos. Cada um tem uma especificidade… Não está claro para a população quais os seus deveres ao atravessá-los", argumenta.

Por tal razão, Néspoli sustenta que "a proteção no trânsito começa com processos de esclarecimento, para criar um novo hábito na população. Há várias formas de fazê-lo: campanhas de divulgação, folhetagem e também a presença nas ruas".

O superintendente da ANTP avalia que a ação precisa ser acompanhada por medidas corretivas de engenharia, que preservem a segurança física das pessoas, e de fiscalização do comportamento de condutores, mas destaca que é desejável caminhar progressivamente. "É bom lembrar que a medida já deu certo na cidade. e que a segurança viária é uma causa de todos, não só do prefeito", conclui Néspoli.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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