“Ser bem cuidada é um direito fundamental da criança”, afirma especialista

Em entrevista à Rede Nossa São Paulo, a psicóloga e especialista em primeiríssima infância Silvia Gomara Daffre destaca temas abordados em seminário internacional sobre o acolhimento de crianças e adolescentes  

Por Airton Goes, da Rede Nossa São Paulo

Recentemente a psicóloga e especialista em primeiríssima infância Silvia Gomara Daffre participou do III Seminário Internacional "A qualidade dos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes: o cuidado como um direito humano". 

Durante o evento, acorrido em São Paulo, ela coordenou a mesa de debate sobre o tema “O cuidado e a educação de 0 a 3 anos de idade e a questão dos serviços de acolhimento”.

Nesta entrevista ao portal da Rede Nossa São Paulo, Silvia destaca alguns pontos abordados no seminário e fala da importância da creche e da pré-escola no desenvolvimento intelectual, social e emocional das crianças. 

Rede Nossa São Paulo – Considerando a parte que você acompanhou do III Seminário Internacional "A qualidade dos serviços de acolhimento de crianças e adolescentes: o cuidado como um direito humano", quais os principais temas abordados?
Silvia Gomara Daffre – Entre os pontos que destaco estão os princípios da Campanha “Cuida bem de mim”, que tem a criança como centro e o cuidado como um direito humano.
A permanência do bebê, da criança e do jovem em sua família de origem foi um consenso entre os palestrantes e participantes, nacionais e internacionais. E um trabalho preventivo, para evitar a saída das crianças de suas famílias de origem, requer conhecer e analisar como estas famílias organizam suas necessidades, bem como ter políticas de apoio para fortalecê-las. O Brasil conta com serviços de fortalecimento das famílias como parte do SUS, no entanto, os recursos humanos e financeiros são insuficientes.
Destaco ainda o significativo trabalho com as famílias acolhedoras, na Europa e Colômbia, que envolve qualificação, recursos financeiros e acompanhamento. Exemplos para o Brasil, que precisa sensibilizar os Estados e a sociedade civil com relação ao tema.

O seminário agregou informações novas sobre o tema?
A Campanha “Cuida Bem de Mim” é pouco conhecida no Brasil. O convite para que as cidades sejam educadoras implica em um processo social, com a convergência de agendas e o desenvolvimento igual para todos.
Durante o evento, foi distribuído a todos os participantes um material recente, a cartilha “Política de atenção à gestante: apoio profissional para uma decisão amadurecida sobre permanecer ou não com a criança”. O material foi elaborado pelo Tribunal de Justiça do Estado se São Paulo, em conjunto com a secretaria Estadual da Saúde, a Secretaria Estadual do Desenvolvimento Social e o Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo. 
A cartilha mostra que o apoio à gestante pode ser mais uma estratégia para evitar a institucionalização de bebês. O importante documento está bem articulado e poderá ser uma referência no tema. Os cuidados nesse processo e a formação para as equipes que trabalham na área são desafios a enfrentar.

O texto sobre o evento afirma que existem no Brasil 36 mil crianças e adolescentes acolhidos. Quais os tipos de equipamentos ou instituições que acolhem essas crianças e adolescentes? 
Atualmente temos as instituições de acolhimento (os abrigos), que acolhem o maior número de bebês, crianças e adolescentes; a Casa-Lar (S.O.S. Aldeias Infantis); a Família Acolhedora; e a República, para jovens que completaram a maioridade. 

Qual sua avaliação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA?
O ECA trouxe incontestáveis vitórias nestes 25 anos de vigência. O desafio maior é a sua implementação.
Há ainda um desconhecimento por parte da sociedade sobre os temas relacionados à criança e ao adolescente e seus direitos, bem como da responsabilidade e participação possível e desejada de todos.  

Na periferia de São Paulo, a principal reclamação que chega aos conselheiros tutelares de defesa dos direitos da criança e do adolescente é a falta de vaga em creches e EMEIs. Em sua avaliação, as crianças que não passam pela experiência da creche e da pré-escola, por falta de vagas, têm prejuízo em sua formação?
Os bebês e as crianças que estão nas creches e na pré-escola têm cuidados e aprendizagens com profissionais qualificados, o que significa um melhor desenvolvimento intelectual, social e emocional. Aprendem brincando e convivem com outras crianças, o que é muito enriquecedor.
Os que não têm este direito, esta experiência, com certeza terão um processo educativo diferente quando entrarem no ensino fundamental. Estão sendo prejudicados, sim.
Temos que pensar que estes bebês e crianças ficam, em muitas situações, sob os cuidados da mãe que precisa trabalhar, da vizinha, de parentes ou de uma pessoa que se dispõe a olhar por eles, sem o material, o espaço e o preparo dos professores. Isto não significa que a mãe não possa escolher ficar com seu filho e atender suas necessidades específicas.

Algum outro direito da criança e do adolescente, em sua opinião, não estaria sendo respeitado em São Paulo? 
Quando falo sobre a primeira infância, sempre escrevo a palavra “bebê”, porque o termo “criança” nem sempre nos leva à figura do bebê, que não anda, tem uma linguagem peculiar e precisa de cuidados específicos.
Um direito fundamental de todo bebê, criança e adolescente é a sua convivência no âmbito familiar. Faltam políticas públicas que possam suprir as necessidades de moradia, renda e saúde para assegurar este direito.
Outra dificuldade é a articulação entre as instituições de acolhimento, as redes de serviço e os programas de atenção nas áreas de assistência social.
 

Silvia Gomara Daffre é psicóloga, com mestrado em Child Development pela Universidade de Londres e em Psicologia da Educação pela PUC/SP. Clinica desde 1974 na especialidade da Primeiríssima Infância (0 a 3 anos). É associada ao NECA – Associação de Pesquisadores dos Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e Adolescente e à RNPI – Rede Nacional da Primeira Infância. Participa da Rede Nossa São Paulo.

 

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