Água de beber?

Suja e com 58,8% de sua capacidade, represa Billings deve ser utilizada para abastecer outros reservatórios do Estado; objetivo é retirar água dos trechos mais limpos.

Por Emilio Santana e Fabrício Lobel

"Há muitos anos a tecnologia permite a transformação de água poluída em água potável através de tratamento", garante a Sabesp. "Vai precisar de muita tecnologia mesmo", desconfiam os moradores do entorno da represa Billings, na Grande São Paulo.

"Até corpo costuma aparecer nessas águas", diz Ronito Furtado Rodrigues, 33, que vive às margens da represa desde que nasceu. "Já foi mais comum, mas ainda acontece."

Ele parece não acreditar que aquelas águas sejam a nova "salvação da lavoura".

Em meio à mais grave crise hídrica do Estado, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse na quarta-feira (21) que pretende usar a Billings –que está com 58,8% de sua capacidade– para socorrer outros reservatórios e garantir o abastecimento da capital.

Nesta sexta (23), o sistema Cantareira –o mais importante e que abastece 6,5 milhões na Grande São Paulo– baixou mais uma vez e chegou a 5,3% de sua capacidade, já incluindo o segundo volume morto (que não era contabilizado).

O governo não informou quando a medida será tomada ou seus custos. O objetivo é captar água dos braços mais limpos da represa, enviar para os sistemas Guarapiranga e Alto Tietê, e tratá-la.

Com capacidade de armazenamento (1,2 trilhão de litros) semelhante à do Cantareira, a Billings foi preterida para o abastecimento ao longo dos anos devido à poluição em diversos trechos por esgoto industrial e residencial.

Construído no início do século 20, o reservatório foi planejado para usar as águas dos rios Pinheiros e Tietê para gerar energia elétrica na usina Henry Borden, em Cubatão.

A poluição vem desses rios e da ocupação irregular que se alastra em suas margens. Mesmo assim, parte do abastecimento do ABC já vem de seus braços mais limpos, por meio do sistema Rio Grande. Outro trecho envia água ao Guarapiranga, que abastece a zona sul da capital.

O problema, agora, é saber como utilizar mais."Dá para fazer [despoluir], mas quanto maior a poluição, mais caro fica para limpar", diz o professor de engenharia química da Unifesp Werner Hanisch.

Ele acompanha o nível de poluição por meio da proliferação de cianobactérias –que em meio à sujeira dão a coloração esverdeada à água.

Hanisch alerta que a situação não é animadora. Sua pesquisa está em fase de avaliação dos dados coletados durante três anos. "Piorou bastante, era para estar um metro mais alto e o cheiro de fezes está muito forte", diz.

Ceticismo

Em Diadema, um dos municípios às margens da Billings, os moradores são céticos quanto à viabilidade de retirar mais água da represa.

"Isso aqui é um horror, só piorou nos últimos anos", afirma a empresária Cornélia Juchem, 46, dona de uma chácara ao lado do reservatório. "Houve uma total falta de planejamento e agora querem retirar essa água contaminada?"

Ela aluga o espaço para casamentos e no último final de semana diz ter passado vergonha quando uma noiva chegou de lancha e desembarcou em meio ao lixo nas margens da Billings.

"Ainda bem que, de tão nervosa, noiva não vê nada no dia do casamento."

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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