Uso do 3º volume morto do Cantareira vai exigir bombeamento de água para interior

Medida em estudo tira 41 bi de litros de água da Represa Atibainha.

Por Fabio Leite e Diego Zanchetta

O uso de uma terceira cota do volume morto do Sistema Cantareira, que está sendo preparado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) para tentar evitar o colapso do abastecimento na Grande São Paulo, vai obrigar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) a bombear água também para o interior paulista, algo nunca antes imaginado por gestores e especialistas em recursos hídricos. A medida ainda precisará de aval dos órgãos reguladores.

Com a retirada de até 41 bilhões de litros prevista para a Represa Atibainha, em Nazaré Paulista, o nível do reservatório ficará abaixo da soleira do túnel por onde a água é liberada para o Rio Atibaia, responsável pelo abastecimento de 95% da população de Campinas, a 90 quilômetros da capital. Desta forma, a água não sairá mais do reservatório por gravidade, apenas por bombeamento, a exemplo do que a Sabesp já faz desde maio no sistema para abastecer a Grande São Paulo.

Chamado de descarga de fundo, esse túnel tem 1 metro de largura por 1,10 de altura, e fica a 17 metros de profundidade em relação à borda da represa, o equivalente a um prédio de seis andares. Segundo o professor de hidrologia Antonio Carlos Zuffo, da Unicamp, esse terceiro volume morto "é o fundo do poço" do reservatório. Apesar disso, explica, a água deve ter qualidade semelhante à que já é retirada hoje da segunda cota da reserva profunda.

"Aparentemente, essa água está parada lá há anos. Mas, como o nível da represa está baixo há muito tempo, ela vem recebendo mais luz e oxigênio do que recebia antes, além de sofrer uma circulação vertical. Por causa dessa mudança toda na dinâmica do reservatório, essa água deve ter qualidade semelhante à que estão captando hoje", afirma Zuffo.

Conforme o Estado mostrou em maio do ano passado, 76% da água do Cantareira que é considerada volume morto para a Sabesp, porque fica abaixo do nível mínimo das comportas por onde a companhia faz a transferência para a Grande São Paulo, já é fornecida para a Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), na região de Campinas. Com o agravamento da seca no manancial neste ano e ainda muito dependente do sistema, a companhia terá de captar uma água até então intocável.

"A partir do momento em que começarem a usar essa terceira cota, nosso túnel vai ficar sem água. Não tem alternativa a não ser bombear. Caso contrário, o Rio Atibaia seca", afirma o engenheiro Marco Antonio dos Santos, diretor técnico da empresa de saneamento de Campinas, a Sanasa. Segundo a Sabesp, o nível de retirada da terceira reserva na Represa Atibainha ainda está em estudo, mas o bombeamento de água para o PCJ está garantido, e o Rio Atibaia "não sofrerá consequências".

Até a última sexta-feira, restavam em todo o sistema 60 bilhões de litros da segunda cota do volume morto, que começou a ser captada em outubro. De acordo com o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, se a estiagem no manancial persistir, essa reserva pode se esgotar em março.

Por isso, a empresa planeja reduzir a retirada de água do Cantareira para São Paulo de 16 mil litros por segundo para 13 mil litros por segundo, principalmente intensificando a redução da pressão da água na rede e com a multa para quem elevar o consumo. Segundo o professor Zuffo, ainda assim, se a seca no manancial nos próximos meses repetir o cenário de 2014, o nível dos reservatórios continuará caindo, e a terceira cota do volume morto pode se esgotar em maio. "Se isso acontecer, não haverá água para ser tratada e nós teremos de usar água bruta de outros reservatórios, porque não há estação de tratamento com capacidade suficiente para suprir o Cantareira."

Atibaia

De margens largas e dimensões que lembram um rio amazônico durante as cheias, o Atibaia teve sua paisagem desfigurada pela estiagem dos últimos dois anos. Com profundidade que chega a 4,2 metros no período de chuvas, o rio tinha, na última quarta-feira, 6 centímetros na região entre Campinas e Pedreira.

Com chuvas abaixo da média nos últimos 50 dias, o Rio Atibaia segue com águas paradas e pedras à vista em todo seu percurso até Americana. Ao atravessar uma das regiões mais desenvolvidas do País, ainda recebe toneladas diárias de esgoto doméstico e tem sua água desviada por criadores de gado, que transformaram a área de várzea em pasto, e por condomínios de luxo, que criaram lagos artificiais em seus terrenos.

O rio chega perto de sua foz praticamente morto, exalando um cheiro insuportável e com cor de tom esverdeado. Em Americana, o Atibaia encontra o Rio Jaguari e forma o Rio Piracicaba – que já nasce como se fosse um córrego de esgoto. "O rio já tem pouca água porque o pessoal de São Paulo desvia tudo lá no Cantareira. Agora que não tem chuva, vamos ficar sem rio aqui. Vai virar deserto", lamenta o agricultor Renato Graciano, de 42 anos, em Paulínia.

Matéria originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo

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