Sistema Cantareira caminha para o colapso

Especialistas dizem que a crise dá sinal de força desde 2003 e que racionamento é a solução.

Por Maria Terea Costa

O Sistema Cantareira vem sendo esvaziado desde 2009 — as chuvas ficaram abaixo da média histórica e a retirada de água para abastecer 15 milhões de pessoas na Grande São Paulo e região de Campinas não levou em conta a possibilidade de repetição da pior estiagem que atingiu o sistema, entre 1953 e 1955. Embora a crise da água tenha dado um sinal em 2003 quando os reservatórios chegaram a operar com 1,9% da capacidade e quase levaram o sistema ao colapso, ela veio com tudo a partir de novembro de 2013.

O pior, no entanto, ainda está por vir, diz o engenheiro e membro do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Júlio Cerqueira César Neto. “Se as chuvas não vierem, e as perspectivas não são boas, o sistema chegará a março sem volume morto para usar e sem perspectiva de como cobrir o déficit de mais de 40 metros cúbicos por segundo (m3/s) de água”, afirmou.

Racionamento

A solução técnica, em termos de gestão do sistema para enfrentar essa crise, segundo o especialista, é o racionamento — que pode ser complementado por outras medidas, como oferta de bônus nas contas de água para quem economizar água, fixação de limites de consumo com aplicação de multas para quem ultrapassá-los e ampla campanha de esclarecimento e indução à economia de água.

A partir de agora, disse, a situação será realmente dramática, porque a disponibilidade de água para os próximos anos é menor que a metade da necessidade. O consultor em saneamento e meio ambiente lembra que o fenômeno meteorológico que está ocorrendo faz parte dos ciclos naturais de variação da frequência e intensidade das precipitações. “Esses ciclos não podem ser ignorados nos projetos dos sistemas de abastecimento de água que têm de ter capacidade para atender os usuários”, afirmou.

Renovação da outorga

A ocorrência de longos períodos chuvosos seguidos de longos períodos de seca já havia sido alertada pelo pesquisador Antônio Carlos Zuffo, do Departamento de Recursos Hídricos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, segundo ele, terá que ser levado em conta na renovação da outorga do Sistema Cantareira — a estiagem prolongada acabou por transferir de agosto para 2015 a renovação da outorga do sistema. Segundo Zuffo, a seca de agora pode ser o início de um longo tempo, de até 30 anos, em que a região terá que conviver com a ameaça de falta de água.

Esses ciclos são conhecidos como efeito José e efeito Noé, que emprestam os personagens bíblicos para nomear os períodos de seca e de chuva. O efeito Noé começou na década de 70 e foi até meados da década passada. Desde 2009, está havendo um declínio no volume de chuvas na região.

Deve continuar

Na semana passada, a Organização Mundial de Meteorologia alertou, na 4ª sessão do Painel Intragovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), em Copenhague, na Suíça, que a seca em São Paulo deve continuar em 2015, associada também ao desenvolvimento do fenômeno El Niño. “É a natureza tentando se modelar pra atingir seu normal”, disse à Agência Estado, o secretário-adjunto da organização, Jeremiah Lengoasa.

O El Niño é um fenômeno caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico e pela redução dos ventos alísios (que sopram dos trópicos para o equador) na região equatorial. Sua principal característica é a capacidade de afetar o clima em nível mundial através da mudança nas correntes atmosféricas.

Aliança da Água 

Para prolongar a sobrevida dos reservatórios que abastecem a região de Campinas e a Grande São Paulo, um grupo formado por mais de 30 Organizações não Governamentais (ONGs) criou Aliança pela Água, movimento que quer dividir o problema da crise hídrica entre governo, prefeituras e população para que, juntos encontrem soluções. O Aliança é uma associação formada ONGs voltadas à defesa do meio ambiente, como Greenpeace, SOS Mata Atlântica, WWF-Brasil e Rede Nossa São Paulo

Entre as sugestões mais urgentes, que dependem de ações em curto prazo,
estão: multa para quem não economizar água; informação prévia de quais barros têm risco de ficar sem água; divulgação de uma lista com empresas regularizadas de caminhões-pipa; e incentivo a alternativas de economia, como uso de hidrômetros individualizados.

Moratória

Outra proposta é que a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (Daee) façam uma moratória das outorgas a grandes consumidores de águas subterrâneas, como indústrias de celulose, bebidas e irrigação.

No longo prazo, as sugestões são: redução de perdas (vazamentos) na rede da Sabesp; implantação de formas de reuso da água; e recuperação dos mananciais. 

Matéria originalmente publicada no jornal Correio Popular

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