Cidades estão distantes do conceito

Por Rosangela Capozoli, do jornal Valor

Uma cidade humana e equilibrada, onde a moradia está próxima do emprego, a água vem de mananciais próprios e protegidos, onde o lixo é reciclado, a emissão de gases reduzida. Trata-se de um cenário bastante próximo daquilo que se convencionou chamar de cidade sustentável, um espaço urbano que preserva o futuro com sua própria ocupação e recursos, e dá conta dos "restos" que produz.

São Paulo está longe de ser enquadrada nesse conceito, mas caminha nessa direção. O novo Plano Diretor Estratégico da cidade, sancionado em julho, traça metas para os próximos 16 anos, indicando caminhos que ajudarão a mudar a paisagem e a qualidade de vida – desafio ambicioso para a metrópole de 11 milhões de habitantes.

Na esteira do processo global de urbanização, o conceito de desenvolvimento sustentável, dos anos 1980, evoluiu para o de cidades sustentáveis. Não há no mundo todo cidade que mereça esse título, mas muitas têm iniciativas nessa direção. "Se pegarmos as ações conhecidas e juntarmos como em um quebra-cabeças, vamos ter uma cidade próxima do conceito de sustentável", diz Maurício Broinizi, coordenador do Programa Cidades Sustentáveis, lançado por ONGs que trabalham com o tema.

Como parte desse quebra-cabeça, Broinizi cita a cidade mineira de Extrema, que vem pagando os pequenos produtores para preservarem as matas junto aos mananciais, garantindo assim a água da cidade. Enfileirando outros exemplos, ele cita Pedra Branca, um condomínio de alto padrão na região metropolitana de Florianópolis, que trata seu esgoto, recicla o lixo da coleta seletiva e coleta água da chuva. Londrina, no Paraná, preserva os fundos de vale e planta matas ciliares em lugar de canalizar e cimentar seus riachos.

Rio Branco, no Acre, criou parques lineares que atravessam a cidade e que servem para retenção da água e espaço de cultura e lazer. Curitiba adotou projeto de orientação de desenvolvimento imobiliário ao longo dos eixos de transporte. "É uma proposta da década de 70 e que nós, a duras penas, estamos tentando implementar aqui", diz Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo.

De acordo com o secretário, um dos objetivos do novo Plano Diretor de São Paulo é "estimular as construções sustentáveis". Nele, o desenvolvimento imobiliário "estará inteiramente associado à expansão de uma rede de transporte público com menor emissão de gás carbono", com trem, metrô e corredor de ônibus "mudando o paradigma do transporte individual para um coletivo".

O adensamento da cidade complementa esse espírito, com estímulo para a construção nas proximidades dos corredores de ônibus e metrô. "O Plano promove uma cidade mais compacta, orientada para a mobilidade coletiva, com maior densidade, com usos mistos distribuídos por toda a cidade, reduzindo o deslocamento perdulário de casa para o trabalho, e do trabalho para casa."

Como outro mecanismo de atuação, o Plano estabelece taxas maiores para grandes empreendimentos no miolo dos bairros. Essa prática, conhecida como outorga onerosa, que atualmente rende cerca de "R$ 200 milhões aos cofres públicos, "poderá chegar a R$ 450 milhões, R$ 500 milhões", estima o urbanista e vereador Nabil Bonduki (PT), que foi relator do projeto do Plano Diretor de São Paulo.

Bonduki, que também é professor da FAU/USP, observa que muitas das iniciativas incentivadas pelo Plano Diretor vão depender dos projetos que serão feitos. No entanto, por mais que se faça, São Paulo não conseguirá recuperar a urbanização mal conduzida por décadas. "Ainda não temos como ter uma produção de água e de alimentos próximos da aglomeração urbana, que é uma das características de uma cidade sustentável para evitar grandes deslocamentos", exemplifica o vereador.

Nesse sentido, ainda segundo Bonduki, "o Plano recriou a zona rural no sul do município cujo objetivo é desenvolver a agricultura orgânica", além de proteger regiões de mananciais e de reservas.

No mundo todo, há cidades "caminhando" para a sustentabilidade, "reaproveitando, reciclando, reintroduzindo o lixo no sistema produtivo, seja ele orgânico ou seco", diz o coordenador do Programa Cidades Sustentáveis. Los Angeles e São Francisco, nos Estados Unidos, já reciclam 65% do lixo que ia para aterros e pretende alcançar a meta de resíduo zero até 2022 – ou seja, nenhum lixo será mais depositado na natureza e os aterros deixarão de existir.

Ainda longe desses exemplos americanos – e mesmo de países europeus, onde cerca de até 70% do lixo são reciclados -, São Paulo dá sinais de boa bondade nessa direção. "Estamos avançando na questão de resíduos", diz Bonduki. "Com as centrais mecanizadas, poderemos multiplicar por quatro a quantidade de resíduos reciclada."

A ideia de sustentabilidade está diretamente associada a processos viáveis econômica e socialmente, observam urbanistas e gestores. Soluções como grandes obras de engenharia e transposição de rios de uma bacia para outra demandam grandes investimentos e tempo. A solução depende mais de comportamento do que de ações do poder público. Trocar telhados por tetos verdes, recolher água da chuva, reciclar resíduos, incentivar a proteção de mananciais são esforços da comunidade que precisam ser incentivados pelo poder público, diz Broinizi.

Matéria publicada originalmente no jornal Valor.

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