Governo busca alternativa à criminalização de movimentos

Por Raphael Di Cunto

O Ministério da Justiça se debruça sobre  um último detalhe antes de  encaminhar ao  Congresso o projeto de lei que pretende coibir a violência nas manifestações: como distinguir quem vai para os protestos com a intenção vandalizar de quem se envolve em brigas  e quebra-quebra levado  pela  massa, sem premeditação.

“Há um  último impasse, que  é saber como diferenciar quem pratica violência de forma premeditada, como os black blocs, de protestos  que  acabaram em  confronto, como o do MST”, afirma o líder do PT na Câmara  dos Deputados, Vicente Paulo da Silva (SP), em referência  ao ato  do  Movimento dos Trabalhadores Sem Terra há duas semanas que teve um conflito com a Polícia Militar em frente ao Palácio do Planalto.

“São manifestações completamente diferentes. O MST tinha líderes que fizeram o confronto parar logo depois que começou, a intenção claramente não era vandalizar nem  confrontar a polícia,  foi apenas ago que  ocorreu no calor do protesto”, diz Vicentinho, que foi presidente da Central  Única dos Trabalhadores (CUT).

O projeto do governo está sendo moldado, segundo pessoas que tiveram acesso a pontos do texto, de modo a não coibir movimentos de rua. O PT, partido de Cardozo, já se manifestou contra tentativas de retirar as ferramentas de pressão dos movimentos sociais.

Por outro lado, a presidente Dilma Rousseff encomendou ao Ministério da Justiça instrumentos para  impedir protestos violentos durante a Copa do Mundo, em junho, e a Olimpíada do  Rio, em
2016, e dar uma resposta à população para  que casos como  a morte do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade por  um  rojão em fevereiro não se repitam.

Para isso, de acordo com um petista que tem acesso ao ministro, o projeto vai exigir que a polícia seja informada antes das manifestações para  garantir a segurança ao ato, e regulamentar o trecho da Constituição que  diz que  é “livre toda  forma  de manifestação, desde que vedado o anonimato”. “Máscaras serão permitidas, mas a pessoa não pode se recusar a tirá-la para  se identificar ou vai cometer crime de desobediência”, diz.

A ideia  não  encontra apoio em movimentos como  o Passe Livre, que  convocou os protestos de junho de 2013 contra o aumento da tarifa  do  transporte público. Mariana  Toledo,  uma  das  líderes do grupo, diz que divulgar previamente o local e trajeto do ato tira o “efeito surpresa” e a capacidade de chamar atenção para o problema.

“Essas ideias,  como  só permitir manifestação no sambódromo ou aos domingos, são recicladas de tempos em tempos. Mas essas tentativas de colocar regras e diferenciar  as manifestações ‘boazinhas’ são uma forma de tentar deslegitimar os atos”, diz Mariana.  “Entendemos isso porque, antes da mídia mudar de posição, também éramos tratados como vândalos”

O uso de máscaras não é prática do Passe Livre, mas o movimento diz compreender quem recorre ao anonimato.  “A gente  entende  a vontade de alguns de não mostrar o rosto  diante da  criminalização das manifestações, com  relato de pessoas presas  sem  cometer vandalismo”,  afirma Mariana.  “Já vimos que a polícia  tem a força necessária  para  obrigar os manifestantes a tirar a máscara sem precisar recorrer a qualquer tipo de lei.” A proposta do governo deve ser encaminhada ao  Congresso esta semana em  regime de  urgência constitucional — instrumento que tranca a pauta do plenário da Casa que está tramitando se não for votado  em 45 dias. O projeto pode ser anexado a outro que já tramita para dar agilidade à votação.

Matéria originalmente publicada no jornal Valor Econômico

Compartilhe este artigo