Por que tantos jovens morrem em São Paulo?

Por Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis

O homicídio de jovens é uma das mais graves manifestações de violência em sociedades marcadas por desigualdades estruturais, ausência de políticas públicas eficazes e falhas na proteção de direitos fundamentais. É uma tragédia que espelha disfunções sociais e problemas generalizados que vão muito além da área da segurança pública – porque expõe também lacunas na educação, na cultura, na oferta de emprego, de espaços de lazer, de perspectiva de futuro. Ou, num sentido mais amplo, que reflete nossa incapacidade de garantir a simples existência de jovens e adolescentes que estão começando a vida.

O Brasil é um dos países mais violentos do mundo nesse sentido. Registramos taxas alarmantes de homicídio juvenil, que hoje representam praticamente a metade dos homicídios no país. Jovens negros do sexo masculino são as principais vítimas: eles têm até três vezes mais chances de serem assassinados do que os jovens brancos.

Na cidade de São Paulo não é diferente. Dados do Mapa da Desigualdade divulgados na última quarta-feira (30/4), mostram que as taxas de homicídio juvenil em vários distritos são muito superiores aos números de homicídios gerais. Sabemos que é nas periferias que os jovens estão mais expostos, mas o problema se manifesta nas diversas regiões da capital. Bairros centrais também apresentam indicadores pavorosos.

Pela primeira vez, desde 2006, a Sé é o local onde mais morrem jovens de 15 a 29 anos. Em uma década, a taxa de homicídio juvenil no distrito cresceu 280%: de 58 casos por 100 mil pessoas nesta faixa etária em 2010, o número pulou para 163 casos em 2020.

A ONU considera que um país que tem 10 mortes por 100 mil habitantes está em situação similar a de uma guerra civil. Considerando estes números, temos dentro da cidade mais rica do país 62 distritos, dois terços do total, em guerra contra os jovens. É disto que se trata. É esta a gravidade do problema.

As consequências dessa realidade são múltiplas e devastadoras. No plano individual e familiar, a perda precoce de um jovem representa o rompimento abrupto de um ciclo de vida que não chegou nem na metade de sua jornada. Interrompe sonhos e afetos, projetos e aprendizados, possibilidades e perspectivas de alguma transformação social.

No plano coletivo, a morte de tantos jovens reflete nossa inaptidão social e institucional de proteger e oferecer o básico a quem muito poderia contribuir para uma sociedade melhor. E ainda há um efeito colateral que atinge a todos, sem distinção: o aumento da sensação de insegurança para fazer até as coisas mais simples do dia a dia.

Não por acaso, pesquisas do Instituto Cidades Sustentáveis, realizadas em parceria com o Ipec nas dez maiores capitais brasileiras, mostram que a falta de segurança é o principal problema na percepção da população.
Para romper esse ciclo é essencial investir em políticas públicas integradas de prevenção, que envolvam educação de qualidade, acesso a emprego e renda, fortalecimento da rede de proteção social, combate ao racismo estrutural e reformulação das práticas de segurança pública, com foco na proteção da vida – e não na repressão. Caso contrário, continuaremos perpetuando a violência numa sociedade hostil e dividida. E vendo jovens padecerem antes mesmo de darem o primeiro passo na vida adulta.

Ao perdermos esta moçada, perdemos alegria, perdemos a perspectiva de futuro. É possível reverter esta situação, desde que a redução desta violência tenha, por parte dos políticos, a atenção e prioridade que merece.

(Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo em 5/5/25)

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