Um mês após tragédia, acampamento no Paiçandu continua sem previsão de fim

Prefeitura diz já ter atendido maioria das vítimas do incêndio no Wilton Paes; mas admite que até quem já recebe auxílio se mantém na praça 

Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo

Passado um mês do incêndio e desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, que deixou sete mortos no centro de São Paulo, ainda não há solução oficial à vista para o acampamento de sem-teto que surgiu na sequência no Largo do Paiçandu. Segundo dados da própria Prefeitura, 126 famílias, algumas com até cinco crianças, se amontoam em barracas, em meio a lixo e roupas sujas.  

“A gente fica aqui e eu estou esperando que venham dar moradia para a gente. Disseram que vão dar no dia 13”, disse a desempregada Deise da Silva Rodrigues, de 32 anos, mãe de cinco filhos, a mais nova ainda sendo amamentada, ao repetir alguns dos boatos que correm entre as barracas. 

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Deise já recebe auxílio-moradia da Prefeitura, por ter perdido a casa em um incêndio ocorrido na Favela do Moinho, na Barra Funda, há três anos. Usava parte do dinheiro para viver na ocupação. Ao perder o lar para o fogo pela segunda vez, tenta sobreviver mantendo as crianças perto de vista e esperando ajuda pública. 

A Prefeitura admite que existe um impasse sobre o atual acampamento e destaca que a maior parte das vítimas da tragédia já foi atendida. O posicionamento foi dado com base em visitas da Assistência Social concluídas um mês antes do incêndio, nas quais foram cadastradas 171 famílias no local – com vistas a uma futura desocupação. Do cadastro prévio, 144 famílias foram localizadas. “Algumas já vão receber o segundo cheque (de R$ 400 de auxílio-aluguel)”, disse o secretário da Habitação, Fernando Chucre.

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As 126 famílias atualmente no Largo não estão nessa lista. Para elas, “o que a Prefeitura pode fazer é todo dia ir lá oferecer abrigamento”. “É a ferramenta que temos”, ressaltou Chucre. 

Por noite, a Prefeitura paga 60 pernoites para vítimas do incêndio. E soluções menos negociadas estão fora da mesa. “Existem garantias individuais de que o cidadão pode permanecer nos lugares. Não tenho, como força de Estado, falar ‘vem aqui e saí’”, disse o secretário da Segurança Urbana, José Roberto Rodrigues. 

Experiência

“Nesse tipo de caso, é comum que você tenha um acidente que envolva 100 (pessoas) e apareçam 300 se dizendo morador”, afirmou o secretário, ao justificar a decisão. Mas Chucre admite que parte da ocupação do Wilton tinha famílias com “perfil transitório” – o que é um complicador. 

“Uma família em algum momento pode ter passado por aquele edifício por um dia, uma semana, por um período indeterminado. Não temos controle sobre esse período.” Por causa disso, segundo ele, há 77 casos que estão sob análise, e deverão receber o benefício a partir do mês que vem.

Mesmo assim, a inclusão nos programas não é garantia de que o acampamento se desfaça. Há 26 famílias, por exemplo, que estão recebendo o benefício e permanecem lá, conforme a própria administração municipal. “A única coisa que quero é trabalhar. Sou segurança. Mas preciso ter um endereço para dar para o patrão”, diz Keliane Mendes da Costa, de 34 anos, que já trabalhou como manicure e como segurança.

Como ela, muitos usam o benefício municipal como “um complemento de renda”, nas palavras do secretário. Não existe auditoria sobre os valores ofertados, e a Prefeitura também não indica moradias para as quais pessoas possam se dirigir.

A rotina

As famílias de sem-teto passam o dia na praça, em barracas de camping doadas. Varrem a sujeira de um lado para o outro, fazem “gatos” (ligações irregulares) nos postes de iluminação para terem tomadas para os celulares e se dividem em uma cozinha coletiva. Essa está repleta de sacos de arroz e de feijão também doados. Mas não há nenhuma geladeira – “e aí não tem mistura”, segundo uma das moradoras. Também não há banheiros com água corrente nem chuveiros, o que faz cada um se virar como pode para a higiene pessoal.

O ritmo de doações vem caindo. Os moradores só não sabem se é por causa da greve dos caminhoneiros – “ou pelo fato de as pessoas estarem nos esquecendo” – como dizem alguns.

Ideia é construir no lugar residencial para baixa renda

A Prefeitura, o governo do Estado e a União iniciaram negociações para viabilizar a construção de um empreendimento habitacional voltado para a população de baixa renda no terreno onde antes ficava o Edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no dia 1º. 

A ação incluiria a liberação de verba para reforma de outros edifícios de posse da Prefeitura na área central da cidade. Os valores finais ainda estão em discussão, que não tem prazo para ser encerrada. As moradias não iriam para ex-moradores do Wilton. A Prefeitura seguirá a fila de moradia do Município.

Hora de tirar a poeira e voltar para casa

Quinta-feira, 31, foi dia de limpar fuligem do chão, colocar cobertores para lavar, abrir janelas e tirar o pó dos apartamentos para os moradores do Edifício Caracu, prédio vizinho do Edifício Wilton Paes de Almeida, que estava interditado desde o desabamento no Largo do Paiçandu, há um mês. O prédio estava interditado por razões de segurança, e foi liberado anteontem para os moradores voltarem no feriado.

Quem vive ali – em quitinetes cujo aluguel supera R$ 1 mil – passou uma temporada na casa de parentes. “Foi um sufoco. Eu fui dormir na casa da minha tia, onde vive também a minha avó. Passei um mês dormindo em um sofá”, comenta o operador de crédito Maurício Pinheiro Pinto Júnior, de 26 anos, que alugava um apartamento no Caracu havia dois anos. 

No dia do desabamento, ele estava na casa da namorada, a auxiliar de vendas Graziela Silva Gomes, de 26 anos. “O pior é que eu estava sem celular. Meus pais vivem no Sul e não conseguiam falar comigo. Ficaram desesperados”, conta.

“Teve vizinho que saiu de casa de pijama. Eu cheguei no dia seguinte e consegui que um bombeiro me acompanhasse até o apartamento. Fiz uma mala, peguei algumas coisas. Mas estava vivendo de favor”, diz o rapaz, que chegou ontem com as malas de volta. E estava reorganizando o apartamento.

Dois edifícios residenciais vizinhos do Wilton Paes de Almeida haviam sido interditados. Ambos foram liberados pelos próprios moradores, que obtiveram laudos e os apresentaram à Prefeitura, garantindo a segurança. O síndico do Caracu, vizinho de Pinto Júnior, não quis se pronunciar. 

Vistorias

Dois outros imóveis comerciais da área permanecem interditados. Um deles terá de passar por obras estruturais antes de ser liberado, segundo o secretário da Segurança Urbana, José Roberto Rodrigues. 

A Prefeitura também está fazendo vistorias em prédios ocupados por movimentos de moradia da região central. O alvo são 69 imóveis e 30 já foram analisados – nenhum evacuado. A administração municipal deve apresentar um balanço dessa ação somente em 24 de junho.

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo

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