Controladoria é acionada para investigar indústria das creches em São Paulo

Após reportagem da Folha, prefeitura anuncia pacote de medidas antifraude

Artur Rodrigues – Folha de S. Paulo

A gestão Bruno Covas (PSDB) anunciou nesta sexta-feira (20) um pacote de medidas para tentar frear a indústria da creche que atua na cidade de São Paulo com aluguel superfaturado de prédios pagos pela prefeitura, direcionamento de locadores e loteamento político nas entidades escolhidas para prestar os serviços ao município. O anúncio ocorre no mesmo dia em que reportagem da Folha mostrou uma série de exemplos dessa prática.

O secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider, encaminhou ofício para a Controladoria no qual pede apuração nos casos de aluguéis inflados citados na reportagem. Entre eles, o de uma unidade na Cidade Ademar, na zona sul, que teve o valor do aluguel triplicado em relação ao que era anunciado em site meses antes.

O ofício enviado pelo secretário cita uma série de medidas que reduziram os aluguéis a partir de 2017 e afirma que a reportagem da Folha “indica que as medidas administrativas podem não ter sido suficientes para corrigir eventuais situações de conflito de interesse e práticas irregulares”.

“Pedimos para a Controladoria nos apoiar na construção de um pacote para aprimorar a prevenção de irregularidades nas parcerias”, disse Schneider. Paralelamente, será lançado um manual para padronizar a prestação de contas das entidades.  

​Segundo o secretário, a pasta passará a usar o mesmo índice citado na reportagem da Folha para mostrar o sobrepreço, o Fipezap, para verificar se o aluguel das creches é o praticado no mercado. Ele afirma ter entrado em contato com o órgão responsável, que aceitou dividir os dados com o município.

A indústria das creches opera com unidades conveniadas. A assinatura de convênios com organizações sem fins lucrativos foi o modo que a atual e as últimas gestões encontraram para diminuir o déficit de creches —há 312 mil crianças de 0 a 3 anos matriculadas e outras 58 mil na fila.

Pela modalidade, o município repassa à entidade um valor fixo por criança e uma quantia extra referente ao aluguel. A regra manda que, em caso de pagamento acima do valor de mercado, a entidade deveria arcar com a diferença. Isso nem sempre acontece. 

A vantagem do convênio é que a prefeitura agiliza a abertura de vagas nas creches, sem a necessidade de construir novos prédios nem de ampliar seu quadro de servidores. Das 27.501 mil vagas criadas pelo ex-prefeito João Doria (PSDB) em seus 15 meses de gestão, por exemplo, a maioria absoluta foi com base nesse modelo —que segue como prioridade com Bruno Covas.

A corrida por mais vagas em creches é acentuada pela pressão de pais e mães, pela promessa eleitoral do prefeito de atender a essa demanda e pela determinação judicial para a matrícula de algumas crianças após pedido do Ministério Público Estadual. Doria, que saiu do cargo para disputar a eleição ao governo paulista, ficou distante da meta —que era de 65 mil vagas em creches até março.

A pressa da prefeitura provoca efeitos colaterais, como quando pais e mães tiveram crianças encaminhadas para unidades em obras. Foi o caso da creche Cantinho da Fabiana. Após reforma, a unidade na zona sul teve um aumento de 191% em relação ao aluguel anunciado em site—de R$ 5.500 para R$ 16.000. 

Outra creche conveniada, a Mascote 2, na mesma região, teve seu prédio de 900 m² alugado por R$ 26.546 —R$ 29 por m². Pelo índice FipeZap de janeiro, a Cidade Ademar está entre os cinco bairros com aluguel comercial mais baixo na cidade, com valor médio bem inferior (R$ 18 por m²).

O secretário municipal afirma que, desde 2017, a prefeitura já vinha adotando medidas para diminuir os aluguéis das escolinhas. A principal foi criar um teto de 0,8% do valor venal de referência dos imóveis nas mensalidades —antes, as entidades conveniadas deveriam entregar três orçamentos de imóveis similares, regra considerada frágil. 

No início de 2017, diz Schneider, a gestão baixou em R$ 9,5 milhões o total pago em aluguéis para creches. Hoje, o gasto de R$ 9,5 milhões por mês é um pouco menor do que no ano passado, mas houve aumento de mais de 27 mil vagas. 

A renegociação fez com que, de 900 aluguéis pagos de imóveis de creches, uma centena acabasse devolvida aos donos. Além disso, houve uma renovação nas entidades —de 188 convênios assinados, 60 são com novas organizações. 

As novidades também incluem acréscimo de dados dos imóveis no banco de dados de creches e divulgação de um catálogo das entidades aptas a gerir creches.

A Folha também mostrou a influência política de vereadores e pressão em relação a convênios e aprovação de imóveis. Inaugurações de novas unidades sempre acabam rendendo uma imagem positiva para esses políticos em seus bairros —e nas redes sociais.

Além disso, integrantes do Legislativo mantêm aliados nas organizações que gerem as escolas, quase como extensão das indicações que fazem aos cargos no Executivo municipal. Isso inclui uma série de postos sob influência política.

Por exigência legal, cada uma das creches municipais tem diretores formados em pedagogia, professores com esta mesma formação, cozinheira e auxiliares de limpeza. Chama a atenção o fato de que as entidades, muitas vezes, não tenham vínculo original com educação ou mesmo com a região das creches.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.

 

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