Doria contraria lei e autoriza painéis de empresa doadora no Ibirapuera

ROGÉRIO GENTILE – FOLHA DE S. PAULO

A gestão do prefeito João Doria (PSDB-SP) autorizou a instalação de sete painéis publicitários da empresa de cosméticos Avon no parque Ibirapuera –o que contraria a Lei Cidade Limpa, que regula a publicidade em São Paulo.

A aprovação, que vale por uma semana, foi dada três meses após a empresa ter anunciado doações de R$ 2,8 milhões para a prefeitura (livros, eventos de caráter social e uma pesquisa sobre câncer de mama). A contribuição foi comemorada por Doria em vídeo nas redes sociais.

Os painéis serão instalados nesta quinta (23) no parque, sob a marquise, em razão da 22ª edição do Prêmio Avon de Maquiagem, que ocorre na mesma noite no prédio da Bienal. Eles trarão imagens da rapper Karol Conka, que estrelou campanha publicitária de uma nova linha de maquiagem da empresa neste ano.

Com 3,29 metros de altura por 4,6 metros de largura, os painéis formam a exposição "Faces de um Reflexo", do fotógrafo Gabriel Wickbold.

A exposição não trará o nome da Avon, como desejava a empresa na consulta feita à prefeitura, mas dialoga diretamente com a sua estratégia de marketing, baseada no conceito de que a maquiagem também é uma arte.

"Meu rosto é meu ponto de partida. Meus lábios, minha obra de arte. E eu sou minha própria fonte de inspiração", diz a rapper em um dos comerciais da empresa.

CIDADE LIMPA

O artigo nono da lei 14.223, de setembro de 2006, aprovada na gestão do prefeito Gilberto Kassab (2006-2012), afirma expressamente que é proibida a veiculação de anúncios nos parques da cidade de São Paulo.

Apesar disso, os painéis foram autorizados pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e pela CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana), órgão formado por representantes da prefeitura e da sociedade civil.

A comissão é presidida pelo arquiteto Luís Eduardo Surian Brettas. Procurado pela reportagem, Brettas não concedeu entrevista.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o arquiteto afirmou que os painéis não são publicitários, mas sim "a comunicação visual de uma exposição fotográfica que não terá exibição da marca" ou o nome do "patrocinador".

A CPPU concedeu a aprovação em reunião realizada na terça (21), mas antes disso já havia sido anunciada em páginas na internet.

Como o parque Ibirapuera é tombado, os painéis teriam de ser liberados também pelo Condephaat e pelo Conpresp, órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio histórico e artístico. O primeiro atua em âmbito estadual. O outro, no município.

Procurado pela Folha, o Condephaat disse que não deu autorização para a exposição. Já o Conpresp declarou que não foi consultado.

Em agosto, a administração Doria já havia ignorado a Lei Cidade Limpa ao autorizar a instalação de 12 placas publicitárias de cerca de dois metros de altura na av. Brasil. 

As placas haviam sido colocadas no local com o objetivo de divulgar o nome de empresas que bancaram a recuperação paisagística dos canteiros da avenida.

Irregulares, foram retiradas pela prefeitura após a Folha publicar uma reportagem sobre o assunto.

'EVENTO CULTURAL'

A gestão João Doria disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que a CPPU "não aprovou painéis publicitários, mas, sim, a comunicação visual de uma exposição fotográfica que não terá a exibição da marca ou patrocinador".

A nota afirma que, "por se tratar de um evento cultural, a aprovação não contraria a Lei Cidade Limpa". Após a divulgação na nota, a Folha voltou a perguntar sobre a necessidade de aval dos órgãos responsáveis pelo patrimônio histórico.

A prefeitura disse que a empresa não solicitou a aprovação do Conpresp, mas que ainda havia tempo até a inauguração. Ressaltou que, sem o aval, a exposição não poderá ocorrer.

A Avon afirmou "que a exposição é parte de um movimento cultural para valorização da 'beauty art', arte que envolve maquiadores e suas interações transformadoras sobre os rostos".

Disse que a exposição é um "projeto autoral da Avon", mas que "não há nenhuma imagem ou menção de produto ou marca, apenas a celebração da arte e do empoderamento feminino por meio de arte que faz uso da maquiagem".

Afirma também que "a rapper Karol Conká já esteve em campanhas da Avon, mas não é garota-propaganda de nenhum produto da marca atualmente". "Foi selecionada porque é de fato a personagem mais adequada para o tema arte e desconstrução do feminino".

Afirmou também que a autorização da prefeitura não teve relação com a doação feita pelo "Instituto Avon, uma organização não-governamental que tem como objetivo mobilizar a sociedade para o enfrentamento do câncer de mama e da violência contra a mulher". 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo
 

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