Semáforo apagado vira rotina em SP com improviso, furto e rede defasada

Por Fabrício Lobel e Paulo Gomes

Nas duas últimas semanas, na esquina das ruas do Arouche e Aurora, no centro de São Paulo, a travessia de pedestres é uma aventura, e a buzina dos veículos já parece até natural ao ambiente.

"Não sei como ainda não deu nenhum acidente grave", diz Jacy Fernandes Neto, 35, motorista e instrutor de autoescola. "A gente tem que driblar os carros pra atravessar", reclama João Batista, 50, pedestre e gerente de loja.

Esse cruzamento é só um entre os milhares de São Paulo que têm sofrido com falhas de semáforos. O problema tomou tamanha dimensão que agentes de trânsito reconhecem: mesmo em dias sem chuva, é quase impossível sair de casa e não passar por algum sinal com defeito, principalmente na região central.

Apenas neste ano houve 5.765 falhas até 17 de março, média de 76 por dia. A cidade tem 6.387 semáforos -ou farol, como dizem paulistanos, sinaleira, segundo paranaenses, e sinal, para cariocas.

Para amenizar os transtornos, equipes da CET, a companhia de tráfego da prefeitura, têm improvisado bloqueios com uso de cones.

Há diferentes motivos para esse nó diário no trânsito.

Por exemplo, a falta de manutenção -os contratos, encerrados no fim da gestão Fernando Haddad (PT), ainda não foram renovados na gestão João Doria (PSDB).

Existe também uma histórica defasagem de modernização da malha semafórica -81% ainda não "conversam" com a central da CET.

Para completar, houve uma aumento de quase 30% nos furtos e vandalismo -até 21 de março, foram registrados 198 casos do tipo, grande parte no centro, atingindo fios, sistemas e componentes dos circuitos dos semáforos.

Equipes

Até dezembro de 2016, a cada semáforo quebrado, a CET acionava um dos três consórcios contratados para esse serviço ou enviava equipes próprias para reparar a falha. Diante do fim desses contratos, os reparos são improvisados com equipe reduzida.

O novo presidente da CET, João Otaviano, diz que a gestão teve que negociar com os consórcios para que eles ao menos reparassem uma parte. "Conseguimos manter parcialmente as equipes terceirizadas, atuando apenas nos semáforos que ainda estavam dentro da garantia oferecida."

A extensão da garantia, porém, acaba no fim deste mês. Depois, a CET terá que lidar sozinha, temporariamente, com a manutenção -até a contratação de novas empresas. Na prática, significa um potencial de mais transtornos.

A prefeitura divulgou nesta semana um edital de licitação para a manutenção do sistema por um ano, por R$ 81 milhões. Mas processos de contratação do tipo chegam a se arrastar por meses.

A publicação do edital ocorre só depois de 82 dias de gestão Doria e após uma transição de governo com Haddad que durou quase dois meses.

A promessa da administração tucana é ter toda a rede conectada ao fim do mandato. Hoje apenas 1.200 de 6.387 cruzamentos com semáforos estão ligados à central da CET. Nos demais, a companhia precisa ser avisada por equipes nas ruas ou por munícipes para ter ciência de um defeito.

Sobre a falta de manutenção dos semáforos, a nova gestão da CET diz que desde janeiro trabalhou para que os consórcios estendessem a garantia dos serviços, fez um inventário de equipamentos em estoque e estudou a melhor redação de um novo edital.

"Quando chegamos, os contratos não estavam renovados e não havia nenhum processo licitatório em andamento", queixa-se Otaviano.

Segundo a gestão Haddad, cabe à equipe de Doria delimitar as prioridades, inclusive com um novo edital. A assessoria do petista diz que ele foi responsável por uma reforma da rede semafórica, no valor de R$ 250 milhões, que resultou na queda de falhas.

Questionada, a CET não informou a média de panes até março do ano passado. Relatórios internos indicam que em 2017 elas estão um pouco mais recorrentes inclusive do que antes desse investimento.

Graxa

Na região central de São Paulo, agentes de trânsito e equipes de manutenção de semáforos têm adotado "táticas de guerrilha" contra a disparada de furtos de cabos e circuitos de sinais de trânsito -em 2017, a elevação é de quase 30% em relação ao mesmo período do ano passado.

Na av. Rudge, próximo ao cruzamento com a rua Javaés (no Bom Retiro), um poste semafórico no canteiro central tem marcas de graxa. "Foi a CET", assume um agente da companhia. "Não é normal, foi uma medida de desespero porque não dava mais."

No topo do mesmo poste foi instalada uma pequena grade para evitar a escalada de criminosos. Nenhuma das medidas heterodoxas evitou que os cabos do poste fossem surrupiados.

Em outros locais do centro, equipes de manutenção têm retirado as peças de alumínio que envolvem placas dos circuitos que controlam os semáforos, na esperança de desestimular os furtos. A técnica também não tem surtido resultado.

Segundo dados da CET, a esquina que mais sofre com furtos é a da avenida Rio Branco com a rua dos Gusmões, na República.

Os agentes de trânsito com quem a reportagem conversou descartam a ação de uma quadrilha e acreditam que os responsáveis sejam carroceiros, dependentes químicos ou moradores de rua da área. "Vendem por merreca", afirma um agente.

O preço de compra do cobre nos ferros-velhos e centros de reciclagem na região é em média de R$ 11 por kg. Em um local a 600 metros da cracolândia, ele chega a R$ 8/kg. (FL e PG)

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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