Em debate, especialistas apontam peso político a novos limites nas marginais

WALTER PORTO – FOLHA DE S. PAULO

A decisão do prefeito João Doria (PSDB) de aumentar a velocidade máxima das marginais Tietê e Pinheiros foi mais política que técnica. Essa foi a conclusão dos especialistas que participaram do debate promovido pela Folha sobre o tema nesta segunda (30).

Para eles, a prefeitura não apresentou estudos técnicos independentes o bastante para embasar a implantação da medida, ocorrida no último dia 25. As velocidades limite foram reajustadas de 70 km/h para 90 km/h na pista expressa, de 60 km/h para 70 km/h na pista central, e de 50 km/h para 60 km/h na local. Na faixa mais à direita da pista local, permanece o antigo limite de 50 km/h.

A Folha convidou o secretário municipal de Transportes, Sérgio Avelleda, para integrar a mesa de debate, indicar um representante ou mesmo sugerir um especialista que encampasse a posição da prefeitura, mas a gestão João Doria optou por não enviar ninguém, sem dar justificativa.

Para o consultor em engenharia de tráfego Sérgio Ejzenberg, a medida dá seguimento a um longo histórico de gestão errática da mobilidade urbana na capital paulista, entre as quais, ele inclui a do ex-prefeito Fernando Haddad (PT). "Por falta de respeito aos corpos técnicos, decisões desastradas têm mutilado a cidade de São Paulo de longa data", disse, citando o Minhocão e os monotrilhos, projetos que classifica como "caros e inúteis".

Para ele, a mudança de velocidade está sendo feita de maneira precipitada, "com pressa para trocar as placas". "Se o projeto precisa de medidas mitigadoras como ambulâncias para garantir que o pior não suceda, ele não é bom."

Meli Malatesta, doutora em urbanismo pela USP e especializada em mobilidade não motorizada, argumentou que a OMS (Organização Mundial da Saúde) trata o acidente de trânsito como uma endemia e sugere que a velocidade máxima adotada em áreas urbanas seja de 50 km/h. Ela, que milita na Associação Cidadeapé, que defende direitos do pedestre, apontou ser um "mito" a ideia de que não há pessoas andando nas calçadas das marginais.

"A associação fez uma contagem numa travessia da avenida João Doria, na altura da estação Morumbi da CPTM, e identificou quase 4.000 pedestres atravessando a rua das 17h as 19h."

Malatesta apontou que Doria fez a promessa de aumentar o limite máximo durante a campanha eleitoral e, ao implantá-la, não discutiu o suficiente com os múltiplos setores da sociedade civil. "A população escolhe um candidato que vai atender às suas propostas de campanha, mas em propostas que implicam risco de morte, deveria se basear mais em estudos e ouvir a voz da sociedade."

Para o colunista da Folha Leão Serva, engenharia de trânsito não deveria ser tema eleitoral, já que, por mais que seja um assunto popular, o público leigo não o entende a fundo. "Não é um assunto intuitivo. Não faz parte do senso comum dizer que reduzir a velocidade máxima da marginal melhora sua velocidade média, mas é isso que acontece. As pessoas se sentem mais à vontade pra se aproximar do carro da frente.

Ejzenberg criticou também a decisão do governo Haddad de reduzir a velocidade limite a 50 km/h, argumentando que o ideal é permitir que cada via use sua capacidade máxima. "A redução foi arbitrária. Se é reduzir por reduzir, diminui para 30 km/h, porque aí vai ter 0% de acidentes", afirmou. "E os acidentes vão se pulverizar no resto da cidade. Não adianta só olhar a via expressa, tem que acalmar a cidade nas vias coletoras, nas residenciais."

Para Ejzenberg, essa redução agrava os congestionamentos da cidade, mas isso não foi sentido porque o número de carros nas vias diminuiu devido à crise econômica. Segundo ele, uma pequena porcentagem do sistema viário tem que ter velocidade maior para regular o fluxo de passagem.

Malatesta, que é favorável à redução de velocidade do sistema viário como um todo, apontou que o aumento proposto por Doria reduz o tempo de viagem do trajeto completo das marginais em oito minutos, "um ganho de tempo pequeno em relação a perdas muito grandes" –ela diz estar certa de que o número de acidentes fatais vai aumentar.

Leão Serva concorda que o aumento de velocidade "pressiona" nesse sentido. "Mesmo se amanhã continuarmos reduzindo o número de mortos no trânsito, como São Paulo vem fazendo, ainda assim vamos nos perguntar: 'imagina se não tivesse aumentado o limite de velocidade?'".

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
 

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