Sob pressão, Doria agora admite aumentar salário de servidores

GIBA BERGAMIM JR. E GUILHERME ZOCCHIO – FOLHA DE S. PAULO

Um dia após dizer que não daria aumentos salariais para servidores em 2017, o prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), decidiu manter os reajustes ao funcionalismo negociados pela gestão Fernando Haddad (PT) e previstos no orçamento.

O tucano havia anunciado o congelamento de salários na segunda-feira (7), em entrevista no programa "Roda Viva", da TV Cultura. "Não tem condição", justificou ele, acrescentando que explicaria isso aos funcionários públicos "falando a verdade" sobre as finanças da cidade.

Para não dar reajustes, Doria teria que driblar lei que fixa cargos e salários na educação, barrar aumentos previstos pela gestão atual e correr o risco de começar seu mandato com paralisações.

O anúncio de que não daria aumento provocou reação até entre aliados do tucano. Como Doria recuou da ideia especificamente para algumas categorias em que os reajustes foram negociados, ele ainda deverá enfrentar a oposição de líderes sindicais.

Em nota, o prefeito eleito disse que vai valorizar e respeitar servidores "levando em conta a realidade das finanças". Na campanha, ele adotava um discurso de "premiar os bons funcionários".

Vereador eleito na coligação de Doria e presidente do Sinpeem (sindicato dos profissionais da Educação no município), Cláudio Fonseca (PPS) cobrou a aplicação de reajustes até o fim de 2018 previstos em lei de 2007 e acordados com Haddad. "O piso salarial que conquistamos e que deve ser revisto todo ano tem que ser cumprido", disse Fonseca.

Os professores ficaram 43 dias em greve em 2014 depois que Haddad se opôs a reajustes previstos. Neste ano, após novas paralisações, o petista concedeu 7,57% de aumento no piso salarial (que subiu de R$ 3.300 para R$ 3.550) e se comprometeu com um novo reajuste nos anos seguintes -que, somados aos anteriores, somarão 29,65% até 2018.

O presidente do Sindsep (sindicato dos servidores municipais), Sérgio Antiqueira, afirmou que Doria está sendo "precipitado". "Não dá para dizer que não haverá reajuste no ano que vem sem análise das contas. São Paulo conseguiu renegociar sua dívida, situação diferente da do Rio de Janeiro, onde os servidores estão pagando a crise financeira", afirmou.

Claret Fortunato, diretora do Sindicato dos Fiscais do Município de São Paulo (Sivam), disse que a declaração de Doria repete o que outras gestões já fizeram. "O que ele fez foi antecipar o que outros já faziam na surdina", disse.

A categoria diz enfrentar um sucateamento há anos, com cerca de 400 fiscais para toda a cidade, que ganham salário de R$ 2.100 após 30% de aumento concedido em abril -o último havia sido em 2008.
Desde 2002, quando a gestão Marta Suplicy (PT à epoca) aprovou lei que regula o salário dos servidores concursados, muitas categorias ficaram sem reajuste.

Presidente do Sindicato dos Engenheiros do Estado, Murilo Pinheiro afirmou que "o prefeito eleito deve rever a sua posição" e que irá requisitar audiência com Doria. O presidente do Sindviários (que representa técnicos da CET), Reno Ale, ameaça ir à Justiça se não houver aumento.

DESAFIO DE CONTENÇÃO

A ameaça de congelamento nos salários de servidores públicos municipais feita pelo prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), ocorre após uma recente expansão de gastos com pessoal na gestão Fernando Haddad (PT). O petista ampliou esse tipo de despesa do município na reta final de seu mandato.

Nos seis primeiros meses deste ano, os gastos com servidores do Executivo foram de R$ 8,4 bilhões, aumento real de 6% em relação ao mesmo período do ano anterior. A elevação das previsões de gastos com pagamento de servidores de 2013 para cá coincide com mudanças nas carreiras em áreas do funcionalismo como saúde e educação, ocorridas na gestão Haddad.

Os reajustes ocorreram em meio a cobranças de servidores públicos, que criticavam a defasagem salarial, como no caso da área médica. O sindicato de servidores afirma que, até 2014, um auxiliar de enfermagem tinha salário inicial de R$ 545 –valor que chegará a cerca de R$ 2.000 em 2016.

Para tornar o cargo mais atrativo e diante da dificuldade de atrair médicos especialmente para atuar na periferia da capital paulista, a prefeitura também reajustou o salário desses profissionais. O valor inicial de R$ 5.600 saltou para R$ 12 mil, mas ainda não resultou em contratações. Em meio à alta de gripe em 2016, prontos-socorros não tinham pediatras em todos os horários, por exemplo.

'GESTOR'

O tucano, que tentou fixar na campanha eleitoral uma imagem de "gestor", anunciou que cortaria despesas reduzindo secretarias, além de não reajustar seu salário, do vice e de seus secretários. Por outro lado, em meio à crise, ele deve ter gastos adicionais de R$ 1 bilhão para bancar os custos do sistema de ônibus, devido ao congelamento da tarifa do transporte em R$ 3,80 em 2017, como prometeu após ser eleito.

Em relação aos servidores, Doria também terá que avaliar se levará adiante um projeto de Haddad que fixa um teto para aposentadoria de servidores (de R$ 4.600) e cria a opção de um plano de previdência complementar.

O texto que seria discutido na Câmara foi retirado pelo petista antes das eleições, em agosto, em meio à pressão do funcionalismo público. O projeto é alvo de críticas especialmente do sindicato dos profissionais de educação. 

Matéria publicada na Folha de S. Paulo.
 

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