Nível de poluição do ar está acima do ideal em São Paulo e no Rio

Por Marcelo Leite

As regiões metropolitanas do Brasil, como as de São Paulo e Rio de Janeiro, estão longe de respeitar os níveis de qualidade do ar recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Entre os poluentes que mais prejudicam a saúde, quase todas as estações medidoras passam dos limites.

É o caso do material particulado fino (MP 2,5), uma poeira que penetra fundo no trato respiratório. Todos os 27 aparelhos paulistas e fluminenses que monitoram esse poluente registram médias anuais acima do padrão (10 microgramas por metro cúbico).

Não é muito diferente a realidade de outras substâncias prejudiciais, como o particulado mais espesso (MP 10) e o ozônio (O3). Há farta literatura médica mostrando sua relação com mortes prematuras por doenças cardiovasculares e respiratórias.

As substâncias danosas emitidas por veículos, indústria e construção civil não escolhem vítimas entre regiões ricas e pobres da metrópole. Em São Paulo, nem mesmo estações localizadas em bairros nobres como Cerqueira César, Cidade Universitária, Ibirapuera e Pinheiros escapam do mau resultado.

Pinheiros, aliás, está perto de descumprir mesmo a referência adotada em São Paulo para o perigoso particulado fino.

Plataforma

A população poderá acompanhar esses índices pela internet, com o lançamento da Plataforma da Qualidade do Ar (www.qualidadedoar.org.br), ocorrida no sábado (3/10).

A base de dados, que reúne os níveis oficiais de poluição atmosférica publicados no Brasil de 2000 a 2014, foi organizada pelo Iema (Instituto Energia e Meio Ambiente), uma ONG paulistana.

Contou com a colaboração dos órgãos ambientais de cada Estado, após longa negociação com os respectivos governos.

As redes regionais de monitoramento são muito díspares. As únicas abrangentes e bem gerenciadas são a paulista e a fluminense. Mas todos os dados existentes no Brasil estão na plataforma e podem ser consultados por estação, por poluente e por Estado – inclusive montando comparações.

Para Ademilson Zamboni, do Iema, a importância da página está em dar transparência dos dados para os pesquisadores e o público, além de "colocar o tema da poluição do ar, com a devida importância, na agenda ambiental brasileira, inclusive como reforço à mudança da regulação obsoleta ditada nacionalmente pelo Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente]".

Defasagem

Os padrões recomendados pela OMS constam de diretrizes publicadas dez anos atrás. A organização já iniciou um processo para revisá-los e torná-los ainda mais rigorosos, de modo a evitar os danos à saúde constatados em recentes estudos epidemiológicos.

No Brasil, porém, vigoram níveis máximos ainda mais antigos, estipulados pelo Conama há 25 anos. Só o Estado de São Paulo deu largada num processo para adequar-se de forma paulatina às recomendações da OMS de 2005.

A legislação paulista, a mais rigorosa do país, foi alterada em abril de 2013. Estabelece quatro fases para alcançar o padrão OMS, com os níveis da primeira entrando em vigor já com a publicação do decreto estadual 59.113. Para as outras, no entanto, não se fixaram prazos.

"Aonde a Cetesb vai, vai o Conama", diz André Luis Ferreira, diretor do Iema, referindo-se à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Mas vai demorar para que ambos acompanhem a OMS.

Debate

Assim que o Estado de São Paulo decidiu aproximar-se dos padrões de poluição do ar da OMS, ONGs começaram a batalhar para que o Conama fizesse o mesmo. Até aqui, sem sucesso.

Um grupo de trabalho foi criado, em dezembro de 2013, para trilhar esse caminho. Em outubro de 2014, quando se realizou a sétima reunião do GT Qualidade do Ar, entrou em discussão uma proposta compilada pelo Ministério do Meio Ambiente, que preside o conselho).

Como no caso da legislação paulista, a minuta previa três padrões intermediários sucessivos até que se atingisse o padrão final, igual ao da OMS de 2005 (que está em processo de revisão).

Não se chegou a acordo no Conama quanto aos prazos envolvidos. ONGs defendem que o padrão final entre em vigor, no máximo, nove anos após a adoção das novas regras.

Já os governos estaduais e a indústria preferem deixar os três estágios finais em aberto. Só a primeira etapa passaria a valer de forma imediata.

O temor dos governos estaduais é que venham a ser responsabilizados pelo descumprimento dos padrões mais exigentes de qualidade do ar. Na realidade, a maior parte deles nem tem condições operacionais de pôr para funcionar uma rede de monitoramento eficiente.

Até hoje não há decisão a respeito. Mesmo que ela viesse já, o padrão da OMS de dez anos atrás só vigoraria em escala nacional, de modo pleno, em 2025. Um seminário sobre o tema deveria ter ocorrido em dezembro, mas foi adiado.

Outro lado

O ministério afirma em nota que têm ocorrido "debates intensos" no Conama sobre as regras nacionais, tendo como alvo final os padrões da OMS. "A partir daí, os Estados devem se debruçar sobre suas realidades e definir seus padrões, considerando suas características e necessidades."

No momento, diz o MMA, a discussão se dá na Câmara Técnica de Qualidade Ambiental e Gestão de Resíduos, que ainda não deliberou sobre uma proposta final.

"O seminário proposto pelo MMA é importante para o esclarecimento necessário a cada conselheiro, tendo em vista o processo de votação, mas infelizmente não foi possível ainda ser realizado por questões orçamentárias/financeiras."

"A boa notícia é que (…) novas estações sendo implantadas em grandes metrópoles, o que dará sentido a todo o trabalho de se definir um novo padrão de qualidade do ar para o Brasil."

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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