Artigo – Vamos falar sobre a crise da água?

Artigo de MARUSSIA WHATELY – Tendências / Debates da Folha de S. Paulo

Nos últimos meses, a escassez hídrica perdeu destaque no debate público e há uma sensação generalizada de que o pior já passou. Mas, infelizmente, isso não é verdade.

Apesar das chuvas em 2015 terem sido maiores do que no ano passado, temos menos água hoje para abastecer a Grande São Paulo, Campinas e Piracicaba do que há 12 meses e muito menos do que em 2013.

O Cantareira, o maior sistema produtor de água do Brasil, opera no volume morto há um ano. As interrupções de fornecimento de água ocorrem em diferentes locais e atingem de forma desigual a população. A situação continua muito grave e precisamos falar sobre isso.

No início desta semana, o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo) e a ANA (Agência Nacional de Águas) autorizaram pedido da Sabesp para retirar mais água do sistema Cantareira, que poderá fechar o mês de novembro com 7% de reservação (ou 22 % negativos).

Isso significa continuar operando com o volume morto, o que traz grandes preocupações sobre as chances de recuperação de suas represas no curto prazo. A justificativa para o pedido, de acordo com nota técnica do DAEE, é que as obras emergenciais não ficarão prontas a tempo, em especial a da interligação da represa Billings com o sistema Alto Tietê.

O pedido de ampliação da retirada do Cantareira traz um alerta: ao que tudo indica, chegamos ao limite da redução de consumo com as medidas adotadas até aqui –transferência entre represas, redução de pressão, bônus e sobretaxa. Sem esse adicional de água, seja da Billings ou do Cantareira, será difícil evitar o racionamento em algumas regiões.

Estamos no segundo ano da crise da água e sacrifícios diários vêm sendo feitos pela população. Nesse período, aprendemos que a situação é resultado da combinação de um evento climático extremo com problemas históricos de gestão, agravados pela péssima situação em que se encontram nossas represas e rios.

Aprendemos também que a falta de transparência e de participação contribuem para agravar o problema. O desafio agora é entender que a superação de uma crise dessa dimensão dependerá da nossa capacidade de somar esforços de todos os níveis de governo e da sociedade para construir "uma nova cultura de cuidado com a água".

Um dos primeiros relatórios da ONU sobre água publicado no início dos anos 2000 dizia o seguinte: "A crise da água é essencialmente uma crise de governança". Com as mudanças climáticas em curso, a tendência é de agravamento dos atuais problemas onde eles já existem e extensão para outras regiões.

O desafio de cuidar da água no século 21 é gigantesco nas escalas global, nacional e local, e a responsabilidade deve ser compartilhada.

A sociedade tem feito sua parte e está aberta a discutir com o poder público um plano de contingência que vá além das ações da Sabesp. Precisamos avançar em medidas para atenuar os efeitos da crise e, ao mesmo tempo, construir um futuro seguro e sustentável para água.

Essas medidas incluem o uso de águas não potáveis por meio de reúso e cisternas, prevenção de doenças de veiculação hídrica e assistência às populações mais vulneráveis à falta de água, recuperação dos nossos mananciais de água e da vegetação de seu entorno, transparência e participação na construção de soluções, além de ampla divulgação das causas e propostas por parte dos veículos de imprensa.

Para vencer um desafio dessa magnitude só mesmo com a participação de todos.

MARUSSIA WHATELY, 42, arquiteta e urbanista, é uma das idealizadoras da Aliança pela Água e integra o quadro de sócios do Instituto Socioambiental

Artigo publicado na Folha de São Paulo.
 

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