Maior eficácia depende da integração de políticas

Por Valor Econômico

A Política Nacional de Mobilidade Urbana por si não garante a sustentabilidade da locomoção nas cidades. Ela depende de dois outros enfoques de políticas públicas para ser bem-sucedida: a política energética e a de desenvolvimento urbano. A avaliação é do secretário nacional de transporte e mobilidade urbana do Ministério das Cidades, Dario Reis Lopes. "O estado da arte em nossas cidades ainda está distante, mas o crescimento das discussões sobre o transporte e a mobilidade é um indicador otimista", afirma. "Já a questão energética vem evoluindo, porém, longe do debate pela sociedade civil."

Para Reis Lopes, a organização das metrópoles brasileiras em um modelo em que o pedestre seja o protagonista requer a integração da PNMU com a política de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo.

Essa integração deve ser efetivada pela elaboração de planos de mobilidade integrados com as demais políticas urbanas e contemplando um horizonte de longo prazo. "Entre outros objetivos, este planejamento deve buscar distribuir de forma mais equilibrada as atividades no território para minimizar a necessidade de viagens motorizadas, incentivar o adensamento nas regiões providas de infraestrutura e estimular o uso de transporte não motorizado e coletivo."

Por lei, devem implementar o Plano de Mobilidade Urbana todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, aqueles que integram grandes regiões metropolitanas, municípios turísticos, os localizados em área de influência de grandes empreendimentos com significativos impacto ambiental e alguns casos especiais. São quase dois mil municípios no Brasil que deveriam ter seus planos de mobilidade concluídos em abril deste ano. Mas os municípios não são obrigados a apresentá-los ao ministério, que não tem como saber quantos foram efetivamente feitos.

Ainda distante do modelo ideal almejado pelo Ministério das Cidades, o governo federal administra atualmente uma carteira de investimentos de R$ 153,7 bilhões em empreendimentos de mobilidade urbana. São investimentos em diferentes modais, com priorização do transporte coletivo sobre trilhos, como metrôs, VLTs, monotrilhos e aeromóveis. A tendência é, de certa forma, uma retomada de uma modalidade que já foi muito presente no Brasil, mas acabou se perdendo no tempo. "Nos anos 30 tínhamos 300 quilômetros de trilhos de bonde só no município de São Paulo. Hoje temos 74 quilômetros de metrô", lamenta Rais Lopes. "Perdemos a cultura dos trilhos, que é o modo mais eficiente de transportar um número grande de passageiros, com segurança e rapidez", explica.

Dos recursos alocados às obras de mobilidade, R$ 33 bilhões vêm do Orçamento Geral da União, R$ 63 bilhões são de financiamentos públicos a juros subsidiados e o restante é contrapartida de Estados e municípios. Obras já concluídas consumiram R$ 8,6 bilhões dos recursos federais, empreendimentos em obras ou em operação parcial representam R$ 74,5 bilhões e aquelas em fase de projeto ou de aquisição de equipamentos somam R$ 7 bilhões.

Deste montante, R$ 916,90 milhões, sendo R$ 400 milhões através de financiamento público e R$ 516,90 de contrapartida do Governo do Estado foram alocados no VLT da Baixada Santista, um modelo novo de transporte no país, em que diferentemente do metrô e do trem, o veículo sobre trilhos divide o espaço com automóveis, ônibus, ciclistas e pedestres. Quando pronta em sua primeira fase – prevista ainda para este ano -, a obra ligará Barreiros, em São Vicente, ao Porto de Santos, em um percurso de pouco mais de 11 quilômetros, com 15 estações. Uma segunda fase levará o transporte à região do Valongo, na parte interna da ilha, com mais 8 km e 14 estações. A demanda projetada é para 70 mil pessoas por dia.

O VLT, executado pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), está integrado ao sistema de ônibus que liga Santos ao litoral Sul e aos sistemas municipais de Santos e São Vicente.

"Temos um grande desafio que é educar a população para este novo modal", diz o diretor presidente da EMTU, Joaquim Lopes. "São 52 cruzamentos sem cancela. Haverá semáforos e os motoristas e transeuntes têm que se acostumar com o VLT." Os veículos, com capacidade para transportar até 400 pessoas trafegarão a uma velocidade média de 20km/h e podem ser totalmente controlados pelo maquinista. Na fase de testes, iniciada no final de abril, com transporte gratuito, a EMTU colocou faixas nos cruzamentos, distribuiu panfletos à população e colocou fiscais no percurso para orientar motoristas e pedestres. Mas o grande teste será no verão, com o movimento turístico e o pleno funcionamento do primeiro trecho.

Engajamento social requer opções e comunicação

Reorganizar as grandes cidades exige a adoção de políticas públicas fortes

Engajar a sociedade em processos de mudança nem sempre é fácil. Principalmente se as mudanças almejadas tocarem em pontos sensíveis como a comodidade de entrar em um carro, ir aonde se queira, sentado confortavelmente, ouvindo música, sem passar frio ou calor. Este é um dos grandes – se não o maior – desafios das cidades brasileiras na busca por um modelo sustentável, em que, entre outras coisas, o fluxo das pessoas seja simples, seguro e eficiente.

"De forma geral, sempre há resistência a mudanças", afirma Marcos de Souza, coordenador de campanhas da ONG e portal Mobilize Brasil. Metrópoles como São Paulo terão mais problemas em buscar uma reorganização efetiva do espaço, por conta do crescimento desorganizado, mas municípios pequenos podem evitar os mesmos erros em seu processo de desenvolvimento. "Reorganizar as grandes cidades exige a adoção de políticas públicas fortes", acredita Souza. "É difícil convencer as pessoas apenas com campanhas de comunicação a renunciar ao conforto. É preciso que o poder público crie dificuldades ao transporte individual, para que as pessoas ajustem suas rotinas a uma nova realidade e ao mesmo tempo ofereça opções estruturais."

Para ele, a Política Nacional de Mobilidade Urbana é uma grande oportunidade para que os municípios pequenos e médios não cheguem aos caos que acomete metrópoles como São Paulo e Rio. "É muito importante que as cidades menores cresçam por um caminho diferente, com calçadas adequadas, ciclovias, VLTs, um sistema integrado que iniba o uso do carro", acredita Souza.

Recentemente a Mobilize Brasil concluiu pesquisa sobre a sinalização nas ruas em 12 capitais. Voluntários avaliaram a comunicação pública para pedestres, ciclistas e usuários de transporte coletivo, e a conclusão é que a sinalização para pessoas é precária ou inexistente. Com um critério de notas similares a notas escolares, a média geral ficou em 3,0. Curitiba foi a cidade mais bem avaliada, com média 5,4, e Manaus a pior, com 0,7. No relatório final da campanha Sinalize, o grupo lista uma série de iniciativas conduzidas por grupos menores para melhorar a sinalização nas cidades, e abre espaço para que pessoas olhem como está a sinalização em suas cidades e compartilhem os resultados em um grande trabalho colaborativo.

O engajamento da sociedade civil também é motivo de esforços da iniciativa privada. A Liberty Seguros investiu R$ 4,5 milhões desde 2012 em um projeto para difundir boas práticas de mobilidade urbana para jovens no ensino fundamental II e médio. Chamado Sinal Livre, o projeto já impactou mais de 37 mil jovens e está em fase de expansão.

O propósito da empresa é, mais do que educar as crianças, torná-las aptas a desenvolver soluções e replicar suas ideias, de modo a expandir o alcance do programa, inicialmente com foco em segurança no trânsito, fluidez e mobilidade verde.

"Começamos em 2012 por implementar aulas no contraturno de escolas públicas em Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro e Fortaleza, em que as crianças desenvolveram e colocaram em prática seus próprios planos de conscientização das comunidades para as questões de mobilidade urbana", explica Karina Louzada, superintendente de marketing da empresa.

A atividade escolar tem sido repetida anualmente e em 2014, o projeto ganhou um segundo braço, o Prêmio Sinal Livre de Mobilidade Urbana, para que pessoas, ONGs e coletivos pudessem expor suas ideias sobre suas contribuições para uma cidade ideal. "Divulgamos o prêmio em nossas redes sociais e na imprensa especializada em terceiro setor, tivemos 47 inscrições e realizamos a votação aberta pela internet", descreve Karina. O projeto premiado com dinheiro recuperou centenas de bicicletas que estavam encostadas em Curitiba para emprestá-las a alunos intercambistas em seu período no Brasil.

O prêmio terá sua segunda edição em 2015, e a iniciativa rendeu frutos também dentro da Liberty, que tem 1,6 mil funcionários. "A iniciativa fez com que mobilidade urbana entrasse para o negócio. Desenvolvemos modalidades de seguros que vão além do automóvel, construímos um bicicletário na sede e criamos a sexta-feira curta, em que todos os funcionários saem mais cedo para escapar do trânsito", conta a executiva.

Matéria publicada originalmente no Valor Econômico.
 

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