Medidas da Sabesp no Cantareira equivalem a um racionamento

Governo destaca economia obtida sem adoção de rodízio, mas moradores reclamam de falta de água; Para instituto, redução da pressão da água gera um racionamento não declarado; Sabesp nega corte no abastecimento.

Por Artur Rodrigues e Heloisa Brenha

A queda na produção de água do sistema Cantareira nos últimos cinco meses já é equivalente a uma situação de racionamento, com um rodízio de 3 dias sem água para cada 1,5 com, apontam dados da Sabesp.

A redução é consequência de medidas adotadas pela empresa de abastecimento para aliviar o sistema, principal fornecedor de água da Grande São Paulo, que sofre a pior crise de sua história.

A Sabesp interpreta o dado de maneira positiva, por considerar que conseguiu alcançar uma economia expressiva sem adotar o racionamento convencional, em que consumidores ficam longos períodos sem receber água.

Por outro lado, as medidas anticrise vieram acompanhadas de uma onda de reclamações de falta de água, que leva parte dos especialistas a considerar que a região metropolitana de São Paulo passa por um racionamento não declarado –o governo nega.

De acordo com a estatal, a produção de água caiu de 31,8 mil litros por segundo, em fevereiro, para 23,3 mil litros por segundo em junho.

Isso significa que o sistema Cantareira deixou de produzir 8,5 mil litros por segundo, água que abasteceria, com sobra, as cidades de Guarulhos e Campinas, as duas maiores no Estado depois da capital.

Segundo a Sabesp, as causas da redução, por ordem de importância, são: o remanejamento de água entre sistemas, a diminuição no consumo estimulada pelo bônus na conta e a controversa redução na pressão da água durante a noite.

Em vigor no nível atual desde abril, a diminuição na pressão representa 19,5% da economia conseguida. Coincide, porém, com reclamações de cortes de água prolongados, justamente no período noturno, em diferentes regiões da cidade.

"O fornecimento de água está irregular", reclama a advogada Lucia Del Picchia, 32, moradora de área alta na Vila Madalena (zona oeste paulistana). "O que acho absurdo é não avisarem nada, não deixarem claro o horário que estão diminuindo", diz ela.

O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) chegou a rotular a prática como "racionamento mascarado".

Em 2000, o racionamento adotado na capital ocorreu com rodízio de 1 dia sem água para cada 3 com, modalidade bem menos radical do que a usada na comparação feita agora pela Sabesp (3 x 1,5).

O diretor de tecnologia da companhia, Edson Pinzan, afirma que as ações anticrise não configuram racionamento, que geraria consequências mais duras para a população.

"No rodízio, quando você tira [água] um dia e volta a abastecer, [o local] pode ficar até três dias sem água", diz.

Para ele, a diminuição de pressão é "mais justa". "Muita gente reclama que no período noturno falta água. Mas isso ocorre no mundo inteiro. Muitos sistemas no mundo administram a rede diminuindo a vazão à noite e normalizando durante o dia", diz o diretor da Sabesp.

Especialistas afirmam que a falta de água regular caracteriza racionamento e que a redução da pressão à noite não pode, por norma, interromper o abastecimento.

A Sabesp sustenta que, somadas às outras medidas, a redução da pressão fez com que o uso do "volume morto" (reserva de água profunda das represas), iniciado em 15 de maio, fosse adiado em 70 dias.

O remanejamento de água entre sistemas foi responsável por 43,8% da economia, segundo a Sabesp.

Dos 8,8 milhões de pessoas que eram abastecidas pelo Cantareira, cerca de 2 milhões passaram a ser abastecidas por outros sistemas.

Após a adoção da estratégia, o volume do sistema Alto Tietê, o segundo maior da Grande São Paulo, caiu pela metade. Nesta quinta (31), sua capacidade era de 20,8%.

Outro fator importante na economia, de acordo com a estatal, foi a diminuição do consumo de água, responsável por 31,7% da queda na produção do Cantareira.

Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo

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