Prioridade para pedestres fica apenas no papel

Por Paulo Vasconcellos, do Valor Econômico

Elo mais fraco na cadeia da mobilidade urbana, os pedestres não têm o que comemorar. Dois anos depois de aprovada a Lei 12.587, que estabeleceu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, na qual aparecem como prioridade, quem anda a pé ainda enfrenta calçadas esburacadas, degraus, postes, lixeiras e carros obstruindo o caminho. A sinalização continua tímida em comparação à que existe para os veículos. O foco das políticas públicas continua sendo o transporte motorizado e pouco se avançou no conceito de desenvolvimento e planejamento urbano.

"A mobilidade motorizada é sempre a prioridade. Só o que sobra é reservado a quem anda a pé ou de bicicleta", diz Meli Malatesta, arquiteta com doutorado em mobilidade a pé. "As políticas urbanas estão transformando as cidades em armadilhas. Em um mundo altamente tecnológico, estamos na Idade Média na garantia da acessibilidade. No Brasil, o pedestre é cidadão de segunda classe", afirma Eduardo José Daros, presidente da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe).

Em 2012, uma campanha da organização não-governamental Mobilize Brasil constatou que a nota média dada aos calçamentos em doze cidades do país não passava de 3,5. Ainda de acordo com a entidade, 90% dos sinais de trânsito são direcionados aos motoristas, embora dois terços das viagens urbanas diárias sejam feitas a pé.

Se os motoristas já respeitam mais os sinais e faixas de pedestres, as calçadas continuam ruins. Em muitas capitais, a sensação é de que não são cidades feitas para o pedestre. A diferença, de acordo com especialistas, começa já no tratamento que as calçadas recebem na comparação com ruas e avenidas.

Enquanto a mobilidade motorizada é responsabilidade do poder público, que se encarrega diretamente da sinalização e da conservação do asfalto, a mobilidade a pé é, por delegação das prefeituras, responsabilidade do proprietário do imóvel ou do lote em frente à calçada. Poucas cidades fiscalizam a conservação do calçamento e menos ainda orientam os donos de imóveis como se deve fazer e cuidar de uma calçada.

O tempo dos semáforos para a travessia das ruas também é insuficiente. Cidades como Londres já estão recalculando o fluxo dos semáforos a partir do número de pedestres, mas no Brasil os debates a favor da medida ainda são incipientes.

"A adoção da engenharia de tráfego nas cidades brasileiras conseguiu reduzir o número de acidentes envolvendo veículos, mas não o de atropelamentos. Alguns programas foram feitos para dar suporte à travessia, mas as cidades ainda estão tentando acertar a legislação das calçadas. Elas têm que ser implantadas e mantidas pelo poder público, mesmo que depois a conta seja mandada para o proprietário do lote", diz a arquiteta Meli Malatesta.

Matéria publicada originalmente no Valor Econômico.

Compartilhe este artigo