Conselho Participativo: “Os nano-prefeitos” – Revista Época

A criação do Conselho Participativo Municipal dará a 1.125 representantes da população o poder de fiscalizar a gestão municipal e propor melhorias para seus bairros. Pode ser uma resposta aos recentes protestos das ruas. A eleição será no dia 8 de dezembro, com a costumeira articulação política e até pão com mortadela.
 
Por Aline Ribeiro, Ilustrações de Espaço Ilusório
 
Embora não seja a mais óbvia, a mais expressiva resposta política para os milhões de paulistanos que ocuparam as ruas em protestos neste ano vai ganhar forma no próximo dia 8 de dezembro. Nessa data, a população elegerá os 1.125 integrantes do Conselho Participativo Municipal, uma nova estrutura de governança pública pensada para fiscalizar a gestão de São Paulo, apontar as prioridades locais e controlar o orçamento de cada bairro. Pode parecer só mais uma camada entre as várias que se sobrepõem na administração da cidade. Mas, ao menos em tese, o conselho permitirá a pequenos núcleos de poder influenciar as tomadas de decisão. “A prefeitura está dando um passo importante para o adensamento da democracia na cidade”, afirma o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor da Fundação Getulio Vargas.
 
Desenhado para ser proporcionalmente ocupado pelas 32 subprefeituras da capital, o conselho é ideia do vereador da oposição Police Neto (PSD). A proposta foi aprovada em maio passado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), e sua execução estava prevista para abril de 2014. O cronograma, porém, foi apressado numa tentativa de reverter a queda de popularidade de Haddad depois das manifestações. “É lógico que os protestos nos fizeram repensar a redemocratização e oferecer alternativas”, diz João Antonio da Silva Filho, secretário municipal de Relações Governamentais. “A eleição ainda neste ano é uma resposta ao clamor das ruas, ao pedido de maior participação nas administrações.” No começo de julho, semanas depois do início da revolta popular, Haddad figurava entre as principais vítimas políticas das manifestações, segundo uma pesquisa do Datafolha. Sua aprovação caiu 16 pontos percentuais, indo de 34% para 18%. E a reprovação, antes em 21%, chegou a 40%.
 
Em poucas cidades do mundo a descentralização da gestão faz tanto sentido como em São Paulo. Seus 1,5 mil quilômetros quadrados comportam quase 12 milhões de habitantes, mais de 50 parques, 4 mil praças. Seriam necessários pelo menos 160 dias caminhando sem parar para percorrer seus 17 mil quilômetros de vias. Com o conselho eleito, o morador de um bairro ganhará um canal direto de comunicação com a prefeitura. Seja para reivindicar reparos numa praça vizinha, seja para pedir o fechamento de um buraco na rua de casa. “As pessoas vão votar em seus representantes dentro de uma população delimitada”, afirma Monika Dowbor, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Assim fica estabelecida uma relação direta entre representante e representado.” A título de comparação, há hoje, em São Paulo, um vereador para cada 209 mil habitantes. Cada conselheiro representará 10 mil paulistanos.
 
A tentativa de fracionar a autonomia entre territórios menores não é nova. Nos anos 1980, André Franco Montoro, então governador de São Paulo, descentralizou a administração do estado em 42 regiões. No âmbito municipal, a Lei Orgânica do Município, de 1990, previa a criação de conselhos de representantes num formato semelhante ao que será votado em dezembro. Sua principal atribuição era representar a população local. Depois de implantadas, essas estruturas foram vetadas por uma decisão judicial. “Com a reforma administrativa do Haddad, vi uma oportunidade de resgatar o conselho de representantes e trazê-lo à pauta”, afirma o vereador Police Neto. Pela proposta inicial, o Conselho Participativo seria deliberativo. Permitiria, portanto, que os conselheiros. decidissem quais as prioridades do bairro e onde investir o orçamento das subprefeituras. Não foi aprovado.
 
A versão do projeto de lei que passou pelo crivo de Haddad é consultiva – o que desencadeou uma enxurrada de críticas. “O fato de existir um conselho é sem dúvida um avanço, resta saber quanto poder esses conselheiros terão”, diz o economista Odilon Guedes, da Rede Nossa São Paulo. “Não vai ser deliberativo porque quem recebeu, por voto, o direito de deliberar foi o Haddad. Se lá em Pirituba alguém da oposição for contra todo o plano de governo do prefeito, como fica?”, questiona o secretário João Antonio. Apesar de consultivo, o conselho terá 32 assentos em outro foro, o Conselho de Planejamento e Orçamento Participativos (CPOP), com 75 membros, que será criado para discutir o orçamento da capital.
 
Na prática, três fatores definirão qual será o impacto dos conselheiros. O primeiro é o resultado das eleições. Quanto mais eleitores comparecerem às urnas, mais influência terão os eleitos. “Se 2 milhões de pessoas aparecerem para votar, o conselho ganhará uma legitimidade que nenhum outro tem. Mesmo não sendo deliberativo”, afirma Jorge Kayano, pesquisador do Instituto Pólis.
 
O segundo diz respeito à importância das subprefeituras para o governo atual. Desde que foram criadas para descentralizar a administração, em 2002, as subs vêm perdendo poder. Subvalorizadas e com o orçamento mais enxuto a cada ano, foram reduzidas a zeladorias. A julgar pelo histórico, e também pela fatia do orçamento prevista para 2014 (leia o quadro à pág. 32), o conselho corre o risco de ser tímido. O terceiro é sua organização e capacidade de mobilização. “Não pode ser um lugar para tomar o chá das cinco”, afirma o comerciante Jorge Ifraim, candidato a conselheiro por Santana.
 
A eleição do Conselho Participativo não está imune às articulações políticas típicas dos jogos de poder. Para concorrer, cada postulante deveria apresentar uma lista com cem assinaturas de entusiastas de sua participação – uma maneira de atestar sua popularidade no bairro. Uma candidata da região Norte diz ter se deparado com uma situação reveladora. Segundo ela, um homem oferecia, no ato da candidatura dentro da subprefeitura, listas prontas para quem quisesse “representar” um grupo determinado. Transporte para os eleitores no dia da votação e pão com mortadela entravam no pacote de benefícios. Num outro caso, um paulistano que pretendia se candidatar desistiu depois de descobrir manobras ilegais de concorrentes.“Nós não vamos sair por aí procurando irregularidades. Se houver denúncia, apuramos, assim como faz a Justiça Eleitoral”, afirma o secretário João Antonio.
 
A criação de um sistema para distribuir o poder é tão sofisticada quanto perigosa. Se as maracutaias políticas não comprometerem a eleição, ou ainda se o conselho alcançar a legitimidade desejada, a prefeitura terá conseguido um grande avanço para a democracia. Mais que um fiscal da administração, o conselheiro poderá, no futuro, participar da construção dos planos de bairro, ferramenta prevista no Plano Diretor da cidade para, ao mesmo tempo, resolver problemas atuais e impedir que outros ocorram na vizinhança. Por outro lado, se o conselho tiver a função distorcida de servir os interesses de poucos, a investida terá sido um fracasso. Junto dela, fracassará a tentativa de reconstrução da imagem do prefeito Haddad.
 
 
O DONO DO PEDAÇO
Sérgio Teixeira Alves
54 anos, policial militar aposentado
Candidato por Santana, Zona Norte
Sou um dos coronéis do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD). Fui subprefeito de Santana durante um ano e meio e de Pinheiros por quase dois anos. Meu mandato acabou em dezembro passado. Participar do conselho é uma boa oportunidade por dois motivos. De um lado, conheço bem a máquina, a estrutura das subprefeituras. Do outro, posso contribuir como um cidadão que há 54 anos mora no bairro e sabe todos seus problemas. Sou filiado ao PSD, mas não milito, não tenho participação política nenhuma. Não tenho disposição para fazer campanha, santinho, essas coisas… Até agora, tenho apoio de amigos, algumas comunidades e da maior incentivadora da candidatura: minha esposa. Se eu for eleito, pretendo acompanhar e fiscalizar a administração municipal.
 
 
 
A LÍDER SOCIAL
Juliana Barbosa
30 anos, pedagoga
Candidata pelo Jardim São Luís, Zona Sul
Sou presidente da Orpas, uma ONG criada para integrar a comunidade por meio da arte, da cultura e da formação profissional. Desde 2005, já atendemos mais de mil crianças no contraturno escolar com atividades de robótica e informática. Também damos aulas de balé, percussão, violão, matemática… Para os jovens, oferecemos curso de empreendedorismo. Para as mulheres, formação na padaria e cursos de corte e costura. Nossa moeda social que circula na região para fortalecer o comércio local já movimentou cerca de R$ 50 mil. Recentemente, numa parceria com a União Europeia, mandamos voluntários para a Espanha e Romênia. Também trabalhamos na Argentina. A experiência que tenho na Orpas me motiva a querer realizar mais transformação. O conselho é uma forma de levar para dentro da subprefeitura as demandas da população. E também de poder contar
aos moradores o que acontece ali dentro.
 
O QUASE CANDIDATO
Diogo Cardoso
23 anos, representante comercial do Grajaú, Zona Sul
Estava decidido a me candidatar, mas desisti por causa das articulações políticas. Quando soube que tem vereadores chamando gente filiada a eles para concorrer, desanimei. Eles estão oferecendo transporte e lanchinho no dia da votação, além de bancar a panfletagem. As pessoas com menos força, como as lideranças comunitárias, são formiguinhas. Elas não têm o poder de mobilização desses políticos…Minha dúvida é: vai ser uma eleição de cartas marcadas?
 
 
A SENHORA CONSELHO
Maria do Socorro Alves
72 anos, aposentada
Candidata por Itaquera, Zona Leste
Trabalhei 19 anos na Febem como auxiliar de enfermagem. Vi de tudo ali. Há mais de 30 anos, acredito na melhoria da comunidade periférica. Faço parte dos conselhos do orçamento participativo, da saúde, do idoso. Participo do Movimento Nossa São Paulo e das audiências na Câmara de Vereadores. A gente vê que todo mundo só usa a população. Trabalho pela política pública dos mais vulneráveis. A gente fala pela boca deles, porque eles não têm voz. Para os políticos, quanto mais ignorante for o povo, melhor. Tenho filhos, netos e bisnetos. Eu falo para eles: ‘Podia até ficar aqui com vocês mais tempo, mas preciso fazer alguma coisa por aquelas criaturas que não têm ninguém’. Me sinto no dever de ajudar. Sou o que sou hoje porque sempre me deram ajuda e oportunidade. Graças a Deus sou meio teimosa. Graças a Deus a cabeça funciona. Graças a Deus não tomo remédio. Mas não é porque não tomo que não luto por medicação.
 
O ENGAJADO ESTREANTE
Lucas Giannini
24 anos, economista
Candidato por Pinheiros, Zona Oeste
Acabei de me formar em Economia na Universidade de São Paulo (USP) e trabalho numa consultoria. Nasci e cresci no Alto de Pinheiros. Meus avós sempre moraram lá, minha vida gira em torno do bairro. Embora nunca tenha participado de nada político de maneira formal, gosto muito de discutir política, de saber o que está acontecendo. Quando ouvi falar da existência do conselho, achei uma oportunidade incrível. Sempre tive interesse em me envolver mais nas questões do bairro, mas achava que as possibilidades de participação não eram muito bem-vindas pelo governo. Estive nas manifestações de junho e ali percebi que a grande demanda da sociedade é participar mais ativamente. Se conseguir me eleger, quero reservar parte da minha vida para me dedicar ao conselho. Mesmo que tenha de fazer um acordo no trabalho.
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