Integrantes do Conselho da Cidade divulgam carta contra projeto da Operação Urbana Água Branca

Documento critica modificações feitas “de última hora e de modo obscuro”, antes da aprovação do projeto na Câmara Municipal. Infelizmente, porém, prefeito sanciona lei, sem ouvir a sociedade civil.

Airton Goes airton@isps.org.br

A forma como o projeto de lei da Operação Urbana Água Branca foi aprovado na Câmara Municipal, no início do mês passado, continua sendo motivo de crítica por parte da sociedade. Cinco integrantes do Conselho da Cidade divulgaram, na quarta-feira (6/11), uma carta aberta ao prefeito Fernando Haddad sobre o processo.

“O texto final [do projeto de lei] foi modificado, de última hora e de modo obscuro, em relação ao resultado que fora construído ao longo de três anos e meio em diálogo com a sociedade civil, por meio de audiências públicas e outros espaços legitimados para tanto, com envolvimento de diversos organismos e representações, como o Conselho Municipal de Política Urbana e os CADES”, afirma o documento, solicitando ao prefeito que não sancionasse a lei da Operação Urbana Água Branca.

Na avaliação dos promotores da carta, “o texto aprovado [no Legislativo paulistano] satisfaz mais uma vez os grandes interesses econômicos em detrimento das demandas e necessidades da população paulistana”.

Entretanto, no mesmo dia em que o documento foi divulgado, o Portal da Câmara Municipal publicou reportagem informando que Haddad já sancionou o projeto – a lei foi publicada na edição de sexta-feira (8/11) do Diário Oficial da Cidade de São Paulo.

A carta aberta ao prefeito é assinada pelos conselheiros da Cidade: Cândido Malta, arquiteto e urbanista, Daniel Kairoz, coreógrafo, Ermínia Maricato, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU­USP), Gabriel Di Pierro Siqueira, diretor da Associação de Ciclistas de São Paulo, e Maurício Broinizi, secretário executivo da Rede Nossa São Paulo.

Veja abaixo a íntegra do documento:

CARTA AO PREFEITO PELO VETO AO PL DA OPERAÇÃO URBANA ÁGUA BRANCA

São Paulo, 06 de novembro de 2013.

V. Ex.ª Prefeito Fernando Haddad,

Nós, representantes do Conselho da Cidade, fomos convidados/as pelo Sr. e pelo atual governo para contribuir com a gestão nas definições mais importantes a respeito de nossa cidade. É nessa condição que gostaríamos de lhe dirigir a palavra, pois temos certeza de que o assunto de que tratamos nesse documento é de enorme relevância para São Paulo e para a efetivação da democracia participativa, que é o sentido estruturante para a própria existência do Conselho da Cidade.

No dia 8 de outubro de 2013 a Câmara Municipal aprovou um substitutivo ao PL 505/12 que cria a Operação Urbana Consorciada Água Branca, com 49 votos a favor e 2 contra. O texto final foi modificado, de última hora e de modo obscuro, em relação ao resultado que fora construído ao longo de três anos e meio em diálogo com a sociedade civil, por meio de audiências públicas e outros espaços legitimados para tanto, com envolvimento de diversos organismos e representações, como o Conselho Municipal de Política Urbana e os CADES.

Entre as mudanças feitas na surdina estão: alteração do gabarito, ampliação do nº de subsolos e garagens e na percentagem destinada às Habitações de Interesse Social (HIS), além de serem inseridas uma lista de novas obras. Seriam obras de arte especiais e transposição do rio Tietê, aterramento de fiação, construção de piscinões e canalização de córregos. Obras que não foram debatidas ou solicitadas nas audiências públicas realizadas até 12 de setembro de 2013.

As alterações ferem claramente os princípios de um desenvolvimento urbano sustentável e de promoção da equidade social que foram defendidos no Plano de Governo e que, acreditamos, ainda permanecem sendo defendidos por Vossa Excelência. Ao contrário, o texto aprovado satisfaz mais uma vez os grandes interesses econômicos em detrimento das demandas e necessidades da população paulistana, especialmente aquela que vive em condições menos favoráveis, agravando a segregação socioeconômica e espacial em nossa cidade. Não bastasse isso, as alterações simplesmente passam por cima dos acordos firmados (envolvendo grande esforço e dedicação) entre as representações da sociedade civil e do poder público municipal, dentro dos espaços adequados para tanto, colocando em risco o sentido da participação em um governo que se diz ‘popular’.

Nesse sentido, nós pedimos que, na condição de liderança e autoridade maior do município, o Sr. rejeite a PL 505/12 tal como ela está, exercendo o legítimo direito de veto e reenviando o texto antigo para que a Câmara reabra o diálogo com a sociedade a partir dele. Entendemos que esse gesto será fundamental para expressar o comprometimento do governo municipal com os processos de participação e ritos democráticos, que devem ser defendidos acima de quaisquer outros interesses.

Além disso, solicitamos o firme empenho do governo para que a bancada do governo, incluída aquela que é integrante do Partido dos Trabalhadores, vote a favor do texto que havia sido construído anteriormente, ao contrário do que aconteceu agora.

É preciso denunciar a inaceitável postura dos/as vereadores que pura e simplesmente ignoraram o diálogo com a sociedade, dando as costas aos movimentos e representações que vem se empenhando em construir uma cidade melhor. Conhecemos os processos políticos e não aceitaremos a frágil alegação de que o executivo não pode interferir nesses processo, ainda mais quando os próprios partidos de sustentação do governo empenham seu voto para a defesa de interesses escusos, que aparecem estar mais vinculados às demandas de financiadores das campanhas eleitorais do que aos anseios dos cidadãos e cidadãs paulistanos/as.

Por fim, temos convicção que só há sentido em permanecer ocupando e legitimando espaços de diálogo com esse governo se houver respeito às construções coletivas, dando efetividade ao que se nomeia democracia participativa e não nos prestaremos ao jogo desigual que, ao fim e ao cabo, privilegia os interesses privados daqueles que historicamente vem sendo favorecidos pelas decisões políticas que definiram até aqui os rumos da cidade de São Paulo.

Sem mais,

Assinam a carta:

Cândido Malta – Arquiteto e urbanista Professor Emérito da FAU USP , e membro do Conselho da Cidade

Daniel Kairoz ­- coreógrafo, porta voz do movimento A Dança se Move, representante da Cooperativa Paulista de Dança e membro do Conselho da Cidade de São Paulo.

Ermínia Maricato -­ Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU­USP) e membra do Conselho da Cidade de São Paulo.

Gabriel Di Pierro Siqueira – diretor da Associação de Ciclistas de São Paulo Ciclocidade e membro do Conselho da Cidade de São Paulo.

Maurício Broinizi – Secretário Executivo da Rede Nossa São Paulo e membro do Conselho da Cidade de São Paulo.


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