Ambiguidades e potenciais dos indicadores de percepção – artigo

 

Maria Alice Setubal

A publicação dos resultados da pesquisa de Indicadores de Percepção da Cidade de São Paulo, realizada pelo Ibope com 1.512 moradores maiores de 16 anos, apresenta dados bastante interessantes que merecem uma reflexão maior, pois constituem uma fotografia da cidade pelo olhar da população.

Obviamente, tem-se que levar em conta que esse tipo de pesquisa não aprofunda os temas investigados e revela uma ambigüidade dos entrevistados que, muitas vezes, dão respostas contraditórias ou mesmo opostas. Isso me parece normal, pois somos mesmo ambíguos em muitas questões da cidade. Em algumas situações, a própria problemática é ambivalente dependendo do contexto ou das condições de quem responde.

O primeiro aspecto que chama atenção foram os altos índices de pertencimento à cidade, ao bairro onde se vive e o orgulho e a satisfação de morar em São Paulo. Esse conjunto de respostas pode ter igualmente um conjunto de análises explicativas, mas o que interessa, a primeira vista, é o aspecto altamente positivo que isso representa para São Paulo, constituindo-se em um potencial que merece ser mais explorado. Se pensarmos sobre a cultura, por exemplo, o sentido de pertencimento pode ser um catalisador de ações e programações que nasçam a partir da escuta com os moradores, valorizando sua memória, sua história, seu conhecimento.

Para ficarmos, inicialmente, nos aspectos positivos, chama também atenção a satisfação em relação às áreas verdes, de cultura e de lazer, que parecem ter tido uma melhora em relação a 2008, assim como a qualidade dos serviços de saúde e educação, embora a avaliação geral de ambos os setores esteja abaixo da média. No caso da saúde, por exemplo, são sinalizados demora no atendimento, consulta, exames e cirurgias.

Também são otimistas as expectativas em relação ao futuro da cidade, ao rumo das políticas, ao prefeito eleito e ao papel da prefeitura na qualidade de vida da cidade.

Nos diferentes serviços avaliados vamos encontrar um detalhamento interessante em cada subitem, mas os serviços que no geral são avaliados negativamente foram moradia, segurança e locomoção. Em relação à moradia, tanto as condições de moradia como a habitação popular foram mal avaliadas, o que reflete a precariedade de vida em que se encontram muitas famílias em várias regiões da periferia de São Paulo, como os indicadores macro têm apontado.

A segurança é a maior preocupação do paulistano, destacando-se a questão mais geral da violência, assaltos e tráfico de drogas. A locomoção espelhando a problemática do trânsito é também mal avaliada em todos os aspectos: trânsito, calçadas, sinalização, conservação ônibus e, sobretudo, no tempo gasto nos deslocamentos pela cidade.

Merecem destaque ainda alguns pontos interessantes como a percepção que se tem de São Paulo como uma cidade injusta e desigual, fazendo com que muitos se sintam revoltados, frustrados ou impotentes com essa situação. Nesse contexto, o tema relativo à inclusão e cidadania ganha notas baixas em todos os pontos avaliados: inclusão digital, respeito aos direitos, apoio à infância, mulheres,famílias, juventude, deficientes físicos, idosos, moradores de rua.

Também as ações de participação cidadã são poucas, e a maioria das pessoas não pertence a nenhuma instituição ou movimento, destacando-se as igrejas com o maior percentual de participação.

Finalmente, vale ainda ressaltar a percepção da população de que os investimentos são voltados para os ricos, atendem a interesses políticos e de existe muita corrupção.
Como o próprio nome diz, os indicadores apontam questões que, de alguma forma, hoje, dividem a cidade. Questões que, se redimensionadas, podem se tornar pontos de intersecção e de transformação para São Paulo.  

Maria Alice Setubal é integrante do Movimento Nossa São Paulo, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, diretora-presidente do CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária e presidente da Fundação Tide Setubal.

 

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