Câmara responde quando há mobilização e articulação política, diz professor da FGV

 

Foto: Airton Goes
Foto: Airton Goes

 

Em entrevista ao portal do Movimento Nossa São Paulo, o professor de ciência política da FGV, Francisco Fonseca, aponta alguns dos problemas do poder Legislativo, de modo geral, e da Câmara Municipal de São Paulo, em particular. Ele avalia que o parlamento não tem sido um espaço de debate público, de fiscalização do Executivo e de proposição de políticas públicas. Porém, ressalta que há certa injustiça nas críticas ao Legislativo. “Quando há mobilização e articulação política, ele responde”, lembra o professor, que cita a Lei de Metas como exemplo da importância da participação da sociedade.

Fonseca sugere diversas medidas para que o legislativo se torne mais “vivo”, aberto à sociedade, e melhore a credibilidade. Entre as idéias defendidas por ele, estão a de ampliar a divulgação de informações no site da Câmara, criar mecanismos de fiscalização e aumentar o número de audiências públicas.

MNSP – Qual sua visão sobre a atuação do parlamento no Brasil e, em especial, das câmaras municipais?

Francisco FonsecaO parlamento passa por uma grande crise de identidade. Embora seja necessário diferenciar as razões, isso se dá nos três níveis: nacional, estadual e municipal. No caso das câmaras municipais, elas tendem a ser cooptadas pelo Executivo. Dificilmente um prefeito ou uma prefeita, independentemente do partido, deixa de ter maioria na câmara. Existem muitos partidos políticos no país, tornando relativamente fácil fazer uma composição em que se garanta a maioria. As câmaras de vereadores no Brasil têm um papel pouco relevante, de dar nome a ruas e praças e fazer pequenos despachos: um emprego aqui, uma internação no hospital, uma cesta básica. Isso é um dado interessante, porque o país vem avançando na institucionalização de políticas públicas sociais, no entanto, essas práticas ainda continuam existindo.

MNSPA Câmara Municipal de São Paulo está iniciando uma nova legislatura. Que análise pode ser feita em relação à sua composição?

Francisco FonsecaA primeira observação é que o índice de renovação dos vereadores, de 29%, ficou abaixo da média histórica. Em segundo lugar, é uma composição conservadora, que mantém, em boa medida, o espírito da última legislatura. Um parlamento, como lugar de debate público, de fiscalização e de proposição de políticas públicas, de modo geral, não está presente. Não está presente no Brasil, como um todo, e na Câmara Municipal, em particular. Apesar disso, é importante dizer que há um grau de injustiça nas críticas ao parlamento, pois, quando há mobilização e articulação política, ele responde. E aqui gostaria de falar do Movimento Nossa São Paulo, que ao aprovar o Plano de Metas, o fez de uma maneira brilhante do ponto vista da articulação política. Lotou o plenário, trouxe personalidades, convocou a mídia. Fez um barulho no melhor sentido possível e conseguiu aprovar uma lei que representa um grande avanço.

MNSP – Como acontece desde 2005, este ano o chamado Centrão ficou novamente com a presidência da Câmara e teve o apoio de quase todos os partidos. Como interpretar esse arranjo político?

Francisco FonsecaÉ uma forma de aumentar o poder de um grupo expressivo de parlamentares de partidos que apóiam o governo municipal, mas que podem se dar ao luxo de eventualmente rejeitar alguns de seus projetos. Isso faz parte da vida política do Brasil. Precisamos sair do campo moral. Quem governa quer ter maioria no parlamento e nenhum partido sozinho tem isso. Se você pegar os dois maiores partidos da base do prefeito, o DEM e o PSDB, terá 23 vereadores numa bancada de 55. Não aprovam nada.

MNSP – E quanto às denúncias e críticas sobre a troca de apoio por cargos?

Francisco FonsecaMuitos partidos, infidelidade partidária e financiamento privado das campanhas levam claramente a um quadro desses. Qualquer governante, de qualquer partido, precisa fazer acordo com o parlamento para ter maioria. É claro que os cargos fazem parte disso. Porém, é preciso destacar que há uma minoria de parlamentares que não aceitam esse jogo mais ligado a cargos. Há parlamentares que têm uma representação muito vinculada a movimentos sociais e, portanto, menos afeitos a isso.
Além dos cargos, tem o acesso às verbas, a determinadas políticas [públicas]. Se eu sou de uma região e consigo canalizar um córrego, estou capitalizando politicamente. Para isso, tenho que ter acesso ao secretário, ao orçamento.

MNSP – O papel da Câmara Municipal, de fiscalizar o Executivo, acaba sendo prejudicado por essas relações?

Francisco FonsecaDe modo geral, o parlamento exerce um baixo poder de fiscalização e a Câmara Municipal de São Paulo não me parece muito diferente. Quem fiscaliza o poder público no Brasil é o Ministério Público e os tribunais de contas. O país necessita de uma maior articulação entre os parlamentos e os tribunais de contas. Em São Paulo e Rio, os dois únicos que têm tribunais de contas municipais, essa relação deveria ser ainda mais próxima. Seria fundamental também que a Câmara Municipal tivesse mecanismos mais permanentes de fiscalização. Um canal direto com o cidadão, uma espécie de ouvidoria, onde as denúncias e demandas do cidadão comum pudessem ser formalizadas.

MNSP – Você disse que o parlamento está em crise. O que fazer para mudar a situação?

Francisco FonsecaO Brasil precisa de uma reforma política que diminua o número de partidos. Não há 27 ideologias no Brasil, não há 27 representações políticas. Alguns pequenos partidos poderiam se juntar numa federação. É importante ter o cuidado de não ceifar uma representação política inovadora. Não me parece que o Brasil tenha capacidade de ter mais que seis partidos. Essa mudança permitiria que um partido ou dois chegassem sozinhos ao poder, dando maior coerência política ao governo. A reforma deveria incluir o financiamento público de campanha, medida fundamental para desprivatizar o parlamento, e a fidelidade partidária para fortalecer os partidos. Além disso, acabar com a coligação na eleição proporcional. Hoje, você vota no candidato de um partido e está aumentando o coeficiente eleitoral de outro. Vota num e elege outro. Não faz o menor sentido. Esse conjunto de mudanças poderia ao longo de uma década, duas ou três eleições, contribuir para uma renovação do sistema político brasileiro. Agora, isso não depende só de reforma política, depende da sociedade politicamente organizada cobrar uma atuação firme, transparente e comprometida dos parlamentares.

MNSP – Enquanto a reforma política não vem, o que os vereadores podem fazer para reverter o baixo nível de credibilidade da Câmara apontado pelas pesquisas?

Francisco FonsecaUma infinidade de ações. Por exemplo, colocar no site da câmara valores gastos, custo da gasolina, qual o fornecedor, quantas viagens foram feitas. O máximo de informações e transparência. Criar instituições autônomas, como a corregedoria e a ouvidoria. Ter uma atuação próxima ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público. Abrir a câmara cada vez mais para as entidades organizadas, dando cada vez mais espaço para a participação da sociedade. Melhorar e ampliar as audiências públicas e o papel das comissões. Criar mecanismos de fiscalização. O parlamento tem que ser um lugar vivo, se não fica algo caro, sem credibilidade. E isso é muito perigoso, pois dá espaço para aquilo que as pesquisas identificam: no Brasil, o grau de adesão à democracia é muito baixo, sobretudo nos jovens. Dois terços dos brasileiros acreditam que o parlamento pode ser fechado. Esse tipo de imagem que se perpetua contribui para reforçar o pensamento autoritário, golpista, que a democracia só atrapalha.

MNSP – Qual a contribuição que a sociedade pode dar para essas mudanças?

Francisco Fonseca – A sociedade organizada tem o papel importante de cobrar, de colocar questões ao debate público, de fazer proposições, como fez o Movimento Nossa São Paulo em relação ao plano de metas. Mostrar que os parlamentares são vistos. Nesse sentido, podemos retirar esse caráter moralista, quase udenista, como se o debate fosse sobre quem tem bom e quem tem mau caráter. Não é disso que se trata. Bom e mau caráter tem em qualquer profissão, em qualquer lugar no mundo. A questão não é essa, até por que isso é um juízo de valor pessoal. O importante é como um parlamentar se compromete, se age de forma transparente, se suas ações são relevantes.

MNSP – Você citou duas vezes a Lei de Metas, que obriga o prefeito a apresentar até o final de março um plano de governo com objetivos claros e quantificados. Qual sua expectativa em relação a essa nova lei?

Francisco FonsecaEla é muito importante, mas tenho receio que seja uma ficção, que não seja cumprida. A Lei de Metas só se viabilizará se o Movimento Nossa São Paulo e a sociedade pressionarem e se houver no próprio parlamento vereadores sensíveis, que entendam que isso é necessário. Trata-se de uma vitrine impressionante. O que ocorrer aqui pode impactar positiva ou negativamente no resto do país.

———————————————————————————————-
Francisco César Pinto da Fonseca é professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV) e autor de diversos livros, entre os quais “Controle social da administração pública”, “O consenso forjado” e “Caminhos da transparência”.


REPORTAGEM: AIRTON GOES airton@isps.org.br

Outras Notícias da Câmara

Compartilhe este artigo