Cidade fica mais desigual com uso de sistemas de segurança em casas, diz estudo

 

Estudo realizado no mês de julho de 2008 revelou que medidas de intervenção no espaço público podem ter um impacto significativo na prevenção e no enfrentamento da violência. O estudo, apresentado no evento Urban Age na quinta-feira (4/11), se baseou na análise do espaço e nas características de vida da população de dois distritos paulistanos – Cidade Tiradentes e Jardins. O levantamento foi realizado em parceria pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e pelo Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento da Delinqüente (Ilanud)

Um dos objetivos da pesquisa foi identificar como em contextos sociais tão distintos a violência e a segurança podem alimentar e produzir um determinado tipo de relações entre as pessoas de uma mesma localidade. Os resultados mostram que determinados modelos de combate à violência podem perpetuar os mecanismos que reforçam as desigualdades. Segundo Paula Miraglia, uma das coordenadoras da pesquisa, o que está em jogo é a disputa entre dois modelos de enfrentamento da violência: o modelo de “espaços seguros” e o modelo da “cidade segura”.

O modelo de espaços seguros é encontrado nos Jardins, onde as principais ações de combate à violência envolvem aumento do aparato policial e dos sistemas privados de segurança (câmeras e guardas), além de intervenções urbanas que visam a diminuir o fluxo de “pessoas estranhas” no bairro. Para Miraglia, esse modelo acaba construíndo um bairro totalmente diferente dos demais bairros da cidade e, contribui ainda mais para segregação espacial das pessoas. “Os espaços seguros funcionam como bolhas, são espaços totalmente segregados, de apartamento de diversos grupos sociais, que contribui para atualização das desigualdades sociais e espaciais”, afirma.

Em Cidade Tiradentes, as intervenções foram em sentido oposto. Lá, as possibilidades de acesso e circulação de pessoas, promovido em primeiro lugar pela inauguração de um Terminal de ônibus, assim como a melhoria da iluminação pública e a intervenção dos próprios moradores nos imóveis, garantiram uma maior heterogeneidade de pessoas e de desenvolvimento do bairro, o que promoveu o aumento da segurança.

Em cada um dos distritos pesquisados foi possível identificar iniciativas para preservar ou melhorar a segurança no bairro. No entanto, nos Jardins onde prevalece o modelo de espaços seguros, as providências tiveram um caráter de restrição à circulação das pessoas. Uma das medidas foi estabelecer o fechamento de bares às 22 horas e proibir a venda de cerveja em garrafa. Enquanto em Cidade Tiradentes, as principais intervenções buscaram garantir o acesso e a circulação de grupos totalmente distintos. Para Miraglia, “é preciso por em prática um modelo de promoção da segurança, que garanta uma cidade segura, um modelo que promova a integração e não a segregação das pessoas”, completa.

A segurança e a violência compõem o repertório de problemas das metrópoles, assim como o trânsito, as enchentes e a poluição. Porém, o que a pesquisa mostra é que tais questões não têm sido percebidas como problemas da cidade e as soluções empreendidas quase nunca passam pelas intervenções urbanas. Os recursos de combate à violência geralmente evocados referen-se ao sistema de Justiça Criminal e ao aumento de efetivo policial. Intervenções nos espaços urbanos que garantam novas formas de interação quase nunca são levadas em conta nas ações do poder público no combate à violência.

Para realização da pesquisa foram levadas em conta as categorias espaço e sociabilidade. Os resultados mostram como o território, na sua dimensão de espaço de transformações e interação física e social, cumpre um papel fundamental nos processos de combate à criminalidade. Além da análise territorial, foi realizada uma pesquisa de campo para levantar as características dos grupos sociais, combinando variáveis associadas à renda, escolaridade, taxa de desemprego, infra-estrutura urbana, presença de negros e pardos, entre outras. Também foram realizadas entrevistas com atores-chave das áreas.

Cidade Tiradentes

Localizada numa região periférica no extremo leste de São Paulo, Cidade Tiradentes – um complexo de conjuntos habitacionais – construídos de larga escala a partir da década de 1980, foi ao longo de muitos anos um dos espaços mais violentos da capital, consolidando a imagem dos “piores lugares” para se viver em Soa Paulo. Os principais problemas apontados pelos moradores até bem pouco tempo atrás eram a violência, o pouco investimento público na região, que durante muito tempo contou com nenhum ou quase nenhum comércio e infra-estrutura urbana básica, e a distância em relação ao centro. Soma-se a isso o fato de a região ter sido pouco da disputa territorial entre facções criminosas, o que se traduzia em elevadas taxas de homicídio.

A construção do Terminal Cidade Tiradentes melhorou significativamente o acesso dos moradores a outras regiões da cidade, diminuindo a distância e a sensação de isolamento. Também garantiu maior circulação dos próprios moradores a outros setores dos bairros. A presença do poder público, exemplificada pelo incremento da ação policial e pelo terminal de ônibus e a multiplicação dos serviços oferecidos foram responsáveis pela complexificação da paisagem do bairro. Além disso, os moradores a partir de suas próprias iniciativas realizaram intervenções que alteraram a paisagem do bairro.

Os prédios foram submetidos a intervenções como colocação de grades, construção de muros, construção de guaritas e outras ações de embelezamento, que além de servir para proteção também foram formas de ‘consolidação’ do imóvel. Em algumas ruas é possível encontrar bancas e playgrounds instalados pelos próprios moradores, criando soluções engenhosas para transformar os “não-lugares”, ou espaços não ocupados, e tentar diminuir o déficit desses equipamentos. As soluções dos moradores tiveram interferências significativas no desenho urbano e ativaram os espaços de rua.

Hoje ainda que a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) seja patente na região, o crime ocupa hoje aquilo que os moradores chamam de “fundão”, ou seja, há uma delimitação clara do espaço territorial das atividades criminosas, que deixaram de ter centralidade na vida do distrito. Os moradores passaram de uma relação de simbiose a uma de alteridade com a figura dos criminosos, descolando-se do forte estigma do crime.

Jardins

Localizado na região central, o bairro Jardim Paulista, ou “Jardins” faz parte de uma região altamente valorizada de São Paulo. As intervenções recentes nos espaços públicos tinham no seu horizonte melhorar algo já existente, com a ampliação de calçadas e a melhoria da iluminação, ou seja, ao invés de transformação, nessa região as intervenções visam a manter e consolidar a estabilidade do bairro. Além disso, por conta da forte interlocução entre os representantes de moradores e agentes públicos, todas as reformas foram financiadas pelo poder público.

Ao contrário do que ocorre em Cidade Tiradentes, não é a heterogeneidade e a circulação de pessoas que garantem sensação de segurança aos moradores. Nesse território a violência e sensação de insegurança são geralmente atribuídas a um “outro”, alguém que não é morador do bairro, que vem “de fora” para desfrutar do lazer que a região oferece. Por isso, as soluções vêm no sentido de restringir a circulação dos que não pertencem ao bairro.

Em geral os “Jardins” é considerado um espaço extremamente seguro. Os principais fatores que garantem a sensação de segurança são entre outras, a ótima iluminação de ruas e calçadas, a iluminação das vitrines (como na Rua Oscar Freire, considerada a mais segura da região), as câmeras de segurança instaladas em condomínios e comércios, a presença de guardas/seguranças em guaritas e a homogeneidade dos freqüentadores.

* Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento da Delinqüente

DADOS SÓCIO-DEMOGRÁFICOS

Distrito Total de moradores no distrito Taxa de homicídio no ano 2000 Taxa de homicídio no ano de 2007
Jardim Paulista 83.667 habitantes 3,6 por 100.000 habitantes 00
Cidade Tiradentes 190.657 habitantes 102,9 por 100.000 habitantes 9,3 por 100.000 habitantes
Fonte de informação: PRO-AIM/SMS-SP, IBGE e Fundação SEADE

 

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